"O Governo quer que as pessoas fiquem reféns do medo"
27 de maio de 2015Esta quarta-feira, 27 de maio, vários ativistas pretendem realizar uma vigília em Benguela "para honrar a memória de concidadãos". Mas, segundo documentos publicados online, a manifestação não foi autorizada pelo Governo Provincial, entre outras razões, devido à "conotação da data escolhida".
A 27 de maio de 1977, populares manifestaram-se a favor de Nito Alves, na altura um dirigente do Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA) que criticara publicamente o rumo definido pelo primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto. O Governo classificou os acontecimentos de tentativa de golpe de Estado. A seguir, os apoiantes de Nito Alves foram perseguidos numa operação de "grande envergadura", segundo o relato das autoridades.
Mas, passados 38 anos, continua sem se saber ao certo quantas pessoas morreram. Estima-se que dezenas de milhares de angolanos foram torturados e mortos. No país, evita-se falar sobre o assunto.
Em entrevista à DW África, o porta-voz da Fundação 27 de Maio em Angola, Lucas Pedro, diz que o Governo prefere ficar em silêncio para manter as pessoas "reféns do medo".
DW África: Na sua opinião, por que razão se mantém o tabu sobre os acontecimentos de 27 de maio de 1977?
Lucas Pedro (LP): Os acontecimentos do 27 de maio continuam a ser um assunto tabu porque o Governo assim o quer. Por outro lado, a maior parte dos sobreviventes não aceita vir a público relatar o que aconteceu. Alguns sobreviventes têm medo de o fazer precisamente por terem vivido na pele a barbaridade que ocorreu. Os familiares dos falecidos temem igualmente falar sobre o assunto devido à atitude musculada do Governo da altura. Não se vive, de facto, uma verdadeira liberdade de expressão em Angola. As pessoas não falam para não sofrerem consequências.
DW África: Que consequências para a sociedade tem tido esse silêncio?
LP: Nós estamos a ver a repetição da história do 27 de maio. Os erros da História devem ser corrigidos para não serem repetidos, mas o Governo angolano não quer corrigir o erro do 27 de maio. Faço rapidamente uma cronologia: após o acordo assinado entre a UNITA [União Nacional para a Independência Total de Angola] e o Governo em 1991, a que se seguiram eleições, houve um conflito pós-eleitoral. E estes assuntos foram praticamente engavetados. [Em 1992] ocorreu o massacre dos [grupos étnicos] Ovimbundu e Bakongo, que também ficou engavetado. Posteriormente, ocorreram mais assassinatos de pessoas que queriam falar à-vontade sobre os assuntos… Esta onda de assassinatos arrastou-se até agora, com o caso Kalupeteka, que continua a provocar tudo isto porque o Governo não quer corrigir os erros da História. O Governo quer que o povo angolano o continue a temer e que as pessoas fiquem reféns do medo.
DW África: Está marcada uma manifestação em Benguela para este dia 27 de maio. A Central Angola 7311 publicou no Facebook documentos do Governo Provincial de Benguela em que se justifica a não autorização da manifestação, entre outros pontos, pela "conotação da data escolhida com um acontecimento histórico marcante e associado a tentativa de um golpe de Estado". Como avalia esta explicação?
LP: Era de esperar. Existe uma ordem superior de que nenhum Governo provincial deve autorizar uma atividade do género. Se reparar, há três anos houve o caso de que foram vítimas os ex-militares Alves Kamulingue e Isaías Cassule, que tentaram protagonizar uma ação sobre o 27 de maio. Aquela foi uma mensagem clara: eles insistiram em realizar uma manifestação, em respeito à Constituição da República, e essa tentativa resultou numa tragédia. Sendo assim, a Fundação 27 de Maio já espera esse tipo de atitude. Em nenhum momento o Governo vai autorizar algo do género porque, ao fazê-lo, estaria a assumir que falhou no 27 de maio.
DW África: O que é preciso fazer?
LP: Acho que é preciso escrever e falar sobre o assunto, bater na mesma tecla até que o Governo aceite abordar ou encerrar este processo, de uma vez por todas. É preciso abordar publicamente este assunto - realizar uma conferência nacional ou internacional em que o Governo se sente com as vítimas.