"A FRELIMO deve pedir desculpas pelos erros do passado"
24 de junho de 2022O percurso histórico da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido libertador do país, foi marcado pela morte de algumas das principais figuras, como Eduardo Mondlane - primeiro presidente do partido, Samora Machel - primeiro Presidente de Moçambique independente, entre tantos outros.
Por outro lado, pode-se também destacar a morte de membros fundadores, mortos pelo próprio partido, acusados de serem traidores.
Nesta extensa lista, destacam-se Uria Simango - primeiro vice-presidente do partido, Joana Simeão e Lázaro Kavandame, mortos por fuzilamento sem direito a um julgamento justo.
O historiador moçambicano Yussuf Adam defende uma reflexão profunda dentro da FRELIMO sobre o seu passado histórico.
"Há uma série de questões sobre a história da FRELIMO que deveriam ser refletidas nos manuais escolares", indica o historiador.
Diz ainda Yussuf Adam que os jovens devem saber o "que eram campos de reeducação".
"As boas ideias por detrás da sua existência, os resultados negativos, a constante crítica sobre o desrespeito dos direitos humanos, assassinato de pessoas sem julgamento e a própria forma como isso foi sendo ultrapassado", cita Adam.
Controversos campos de reeducação
A FRELIMO, que se propôs a libertar o povo logo à sua fundação, lançou em 1983 a "Operação Produção", que forçou milhares de pessoas a deixarem as suas famílias rumo ao Niassa.
De acordo com as pesquisas do historiador e antropólogo Omar Ribeiro Thomaz, a "Operação Produção" afetou entre 50 a 100 mil pessoas apenas na cidade de Maputo.
O programa consistia numa ação policial repressiva, destinada a enviar as pessoas alegadamente improdutivas, marginais e prostitutas das grandes cidades para as zonas rurais com baixa densidade demográfica, em particular para a província do Niassa.
O processo, defende o pesquisador Salvador Forquilha, "criou marcas profundas em famílias e na sociedade, que não se esquecem de um dia para o outro".
"Olhar para a história com coragem”
Forquilha advoga, no entanto, que é "preciso olhar para a história com coragem e reconhecer os erros". "E a FRELIMO tem responsabilidade nisso", diz.
Isso seria benéfico "não só para a própria FRELIMO, mas para o país todo", sublinha Forquilha, acrescentando que "nós ainda não estamos reconciliados com a nossa própria história como país".
Mas o veterano de luta armada de Moçambique e membro fundador da FRELIMO Mariano Matsinhe encara este assunto de outra forma.
"Pedir perdão porquê?", questiona Matsinhe, garantindo que "[o partido] não fez isso propositadamente".
Para o veterano, o projeto tinha e ainda tem mérito. "A ideia principal era colocar todos os desempregados a fazer qualquer coisa, porque Moçambique é grande. Não fizemos nenhum erro", insistiu.
No entender do historiador Yussuf Adam, os campos de reeducação foram um "absurdo", justificando no entanto que "a única coisa que estes [campos de reeducação] tinham de reeducação, de mudança e ressocialização, era o nome. Mas, na prática, eram cadeias onde quem lá vivia pagava um preço alto", afirma Adam.
O general na reserva Mariano Matsinhe nega que os campos de reeducação tivessem sido campos de tortura, mas reconhece: "houve muitas falhas, porque não tínhamos experiência nessa área e tivemos que abandonar a ideia".
Pedido de perdão
O sociólogo João Colaço considera ter chegado a hora de o partido FRELIMO "reconhecer o seu erro e pedir desculpas à sociedade moçambicana", justificando ser esta "a melhor forma para as famílias moçambicanas se reencontrarem e abraçarem, de modo a caminhar juntos rumo à unidade nacional".
Colaço alerta que, caso a FRELIMO não se reconcilie com a sua história, "sem sombras de dúvidas podemos partir para uma situação em que num contexto perca o poder e haja uma espécie de vingança e de ajustes de contas".
"Isso não ajudaria para a consolidação [de Moçambique] como um país que se pretende uno e indivisível", realça.
O pesquisador Salvador Forquilha lamenta que não haja no país um debate sobre este passado "cinzento" da FRELIMO, "isso é como se fosse um tabu, e não ajuda o país".
Mas, Yussuf Adam acredita que, tarde ou cedo, estes temas tidos como tabu virão à tona de forma natural.
"Porque se não mudas, morres", prevendo que a FRELIMO terá de o fazer, "porque é a própria realidade que [lhe] impõe isso".
Aliás, há já no país livros que contam a outra versão da história oficial sobre "Uria Simango e Lázaro Kavandame", aponta Yussuf Adam, explicando igualmente, que muitos académicos nacionais têm procurado estudar estas figuras históricas do país.