72ª Berlinale: Realizadores africanos convidam à reflexão
17 de fevereiro de 2022A 72ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim apresenta uma abordagem mais romântica e propõe pensar como deve ser a vida depois desta pandemia. Filmes de amor, sobre a família e questões existenciais marcam as mostras da Berlinale.
Onze países africanos estão representados nas 15 mostras do Festival Internacional de Cinema de Berlim. E há produções para os mais diversos gostos. Desde o futuro de quem vive no Sudão do Sul ou na República Centro-Africana, ao passado colonial da República Democrática do Congo, até ao musical egípcio inspirado em "As Mil e Uma Noites".
Migrar para a Europa
Mas talvez seja o documentário "No U-Turn", do realizador nigeriano Ike Nnaebue, aquele cujo tema é o mais abrangente. Nnaebue refez o percurso de há 26 anos, quando tentou migrar para a Europa, a partir de Lagos, mas a meio do caminho desistiu. Desta viagem, trouxe várias respostas. Afinal, que esperança é essa que leva pessoas a arriscar a própria vida numa viagem tão perigosa?
"É mais uma situação de crise de identidade do que realmente sobre a Europa," avalia o realizador.
"Descobri que muitas pessoas decidem ir da Nigéria ou do Gana para a Europa e, se vão para Bamako no Mali ou Ouagadougou no Burkina Faso, por exemplo, e encontram algo, páram e estabelecem-se lá. Desistem de ir para a Europa. Então, vês que não é sobre ir para a Europa," pondera.
Poder sonhar em África
Nnaebue quis também abordar um paradoxo: Porque não é possível sonhar com uma vida confortável num continente com recursos tão abundantes como o africano? Também para esta questão, encontrou uma resposta: "As pessoas perderam a confiança nas lideranças nos seus países porque essas lideranças falharam em prover espaços seguros para sonhos".
"Ninguém quer realmente deixar a sua família para partir rumo ao desconhecido, até mesmo sabendo que pode perder a vida. Todos os que estão a fazer isso, fazem-no porque perderam a esperança no sistema," afirna Nnaebue.
A solução, aos olhos do cineasta, está nas mãos de cada jovem africano: "Por muitos anos, temos estado a reclamar e a dizer que os nossos líderes não estão a prover um ambiente adequado para que realizemos os nossos sonhos. Concluí que temos de assumir isso para nós mesmos, enquanto jovens africanos".
"Temos de parar de reclamar e literalmente lançar-nos ao trabalho," convida o realizador nigeriano.
Falar sobre a pena de morte
Também o realizador somali Mo Harawe quer provocar um debate global. Com a curta-metragem "Will My Parents Come To See Me" - "Os meus pais virão ver-me?", na tradução literal para o português - participa na mostra Berlinale Shorts. Aborda um assunto que o acompanha desde a infância: a pena de morte no seu país.
"Vamos conversar sobre isto. Esta é a minha mensagem," convida.
"O filme está a dizer que porque este é o nosso sistema e sempre foi assim, ninguém fala ou pensa sobre isso. É simplesmente parte da vida. E esperamos que o filme inicie uma discussão sobre isso," defende Harawe.
PALOP ficam de fora
Este ano, participam menos 25% de filmes nas diversas mostras da Berlinale em relação à última edição antes da pandemia, em 2020. Há também menos sessões de cinema. Os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) não estão representados nas mostras.
O ator e realizador luso-guineense Welket Bungué, que participou da Berlinale antes e durante a pandemia, explica o que esta lacuna significa para os realizadores e produtores de cinema de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.
"Quando um filme é selecionado, ou quando uma diretora ou um diretor é selecionado, este filme não representa apenas aquela obra. Representa também aquela cultura, no sentido de a fazer estar presente naquele festival," considera.
Para Bungué, "é nesse sentido que o festival de Berlim, talvez mais que muitos outros festivais que acontecem na Europa, é tão importante para o cinema que é feito nos PALOP".
Esta 72ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim decorre até 20 de fevereiro.