A corrida pela vacina contra a Covid-19
16 de junho de 2020Quando Michael Piontek tira o blazer cinzento e veste a bata branca ao entrar no laboratório da "ARTES Biotechnology", em Langenfeld, na Alemanha, as salas iluminadas conduzem-no ao aparelho que já se tornou o coração da empresa: um frigorífico cheio de placas de Petri com a cultura que ele acredita que levará a uma vacina para o coronavírus. Isto se conseguir desencadear a produção de anticorpos para o vírus em seres humanos.
Neste momento, a cultura está protegida por um guarda e câmaras de segurança. O microbiologista de 60 anos explica o valor do que ali está: "Este é o nosso tesouro. Pusemos nele todo o nosso conhecimento. Só isto aqui é suficiente para iniciar a produção mundial".
Piontek e os seus 25 colegas estão a trabalhar numa vacina contra o coronavírus desde abril, mas o cientista estuda células de levedura desde os tempos de universidade.
Produção da vacina
A experiência da "ARTES Biotechnology" com células de levedura já a levou a pôr no mercado uma vacina contra a hepatite B, que atualmente está a ser produzida nos Estados Unidos, na Índia, na Indonésia, na Tailândia e no Vietname. Piontek afirma que as fábricas desses países poderiam facilmente alterar a produção para a vacina da Covid-19.
Isto porque a "ARTES" não produz as suas próprias vacinas. Pelo contrário, faz dinheiro através da venda de licenças de fabrico. Piontek diz que a empresa não precisou de ajuda financeira do governo para a investigação do coronavírus, mas acrescenta que é necessário recuperar "os custos do investimento".
A aprovação regulamentar ainda está muito longe e as empresas terão de enfrentar muitos riscos financeiros, mas, para Piontek, o investimento compensa: "Se a nossa ideia resultar, estaremos de novo na corrida da próxima vez que precisarmos de uma nova vacina. E vamos precisar sempre de uma nova vacina", atesta o investigador.
Vacina disponível: quando?
Mas introduzir uma vacina no mercado é um processo complexo, que normalmente dura cinco a dez anos. Apesar de algumas empresas afirmarem que produzirão uma vacina para a Covid-19 até ao final de 2020, Piontek considera que essa previsão é muito otimista.
O microbiologista planeia começar a testar a vacina da "ARTES" em animais este verão e potencialmente iniciar os ensaios clínicos em humanos até ao final do ano.
A "ARTES" já está a alinhar parceiros para essa fase de testes. "Há um mercado lá fora com quase 8 mil milhões de pessoas", contabiliza Piontek. "É enorme. Serão necessárias muitas empresas diferentes e com muitas abordagens diferentes para responder a esse tipo de procura", analisa.
Na Alemanha, há duas empresas mais avançadas que a "ARTES" em termos de testagem. A BioNTech, sedeada em Mainz, já iniciou a primeira fase dos ensaios clínicos em humanos. A CureVac, em Tübingen, também deverá iniciar a primeira fase destes testes em junho, segundo informou à DW a associação alemã de empresas que se baseiam em investigação farmacêutica, a VFA.
Mas há cerca de 150 projetos de vacinas em curso em todo o mundo. A CanSino Biologics, com sede em Tianjin, na China, é uma das empresas mais adiantadas neste momento.
Já passou à fase dois dos testes em humanos: ensaios que testam a capacidade de uma vacina para desencadear sistemas imunitários, enquanto os investigadores monitorizam os sujeitos quanto a efeitos secundários adversos. A terceira fase testa um grupo maior de pessoas. É nas fases dois e três que os projetos de desenvolvimento da vacina começam a devorar dinheiro, porque assim que essas fases são concluídas, as vacinas são colocadas no mercado.
Quem também já está bastante avançado é a AstraZeneca Plc, que viu o início dos ensaios da terceira fase da vacina aprovado pela Agência Britânica Reguladora dos Medicamentos e Produtos de Saúde (MHRA).
Caso os ensaios resultem numa vacina segura, o director executivo do grupo farmacêutico britânico, Pascal Soriot, espera que as entregas comecem ainda este ano.
Europa quer acesso privilegiado?
No sábado (13.06), Soriot anunciou que a AstraZeneca assinou um contrato com a Aliança Inclusiva de Vacinas europeia (IVA, na sigla em inglês) - um grupo formado pela França, Alemanha, Itália e Países Baixos – para fornecer a sua potencial vacina a todos os Estados-membros da UE, o mais rapidamente possível.
O contrato prevê até 400 milhões de doses da vacina, a ser desenvolvida pela Universidade de Oxford. As quatro nações pagarão o montante total, que não foi divulgado, e o esquema permite que outros países se juntem a ele nas mesmas condições, afirmou uma fonte do Ministério da Saúde italiano à agência Reuters. A China, o Brasil, o Japão e a Rússia também manifestaram interesse, disse.
Um outro acordo entre a AstraZeneca e a França prevê que as doses sejam repartidas entre os países numa base proporcional à população, informou à Reuters na segunda-feira (15.06) uma fonte do gabinete do Presidente francês.
Numa reunião dos ministros da Saúde da UE, na sexta-feira (12.06), a IVA concordou em fundir as suas atividades com as da Comissão Europeia, segundo o Ministério da Saúde da Alemanha.
A Comissão Europeia tenciona assinar ainda mais contratos preliminares com uma série de empresas farmacêuticas para garantir que os cidadãos da União Europeia (UE) tenham acesso rápido a fornecimentos adequados de vacinas quando estas chegarem. O pagamento deverá ser largamente facilitado por um mecanismo de financiamento de emergência da UE com um orçamento de 2,7 mil milhões de euros.
Vacina acessível a todos?
O director-geral da Federação Internacional dos Fabricantes e Associações Farmacêuticas (IFPMA), Thomas Cueni, declarou numa conferência de imprensa recente que o IFPMA está "plenamente empenhado no objetivo de acelerar o desenvolvimento, a produção e o acesso equitativo a vacinas contra a Covid-19 que sejam seguras, eficazes e a preços acessíveis".
A declaração sugere que a organização ouviu os apelos de líderes mundiais que exigiram que as vacinas fossem tratadas como um bem público. Neste momento, várias empresas juntaram-se para cooperar num fórum da Organização Mundial de Saúde (OMS) destinado a acelerar a investigação.
No início de maio, governos, organizações e indivíduos doaram cerca de 7,4 mil milhões de euros (8,4 mil milhões de dólares) para o projeto da OMS.
Jörg Schaaber, do BUKO Pharma-Kampagne, um grupo independente de fiscalização do mercado farmacêutico alemão, afirma que as empresas que aceitam dinheiro público para a investigação de vacinas estão, portanto, a concordar em desenvolver um produto acessível.
Schaaber receia que as promessas feitas pelas empresas acabem por se revelar vazias e defende que a indústria deve materializar as palavras em atos, tornando as patentes acessíveis na "Pool" Internacional de Patentes de Medicamentos (MPP). O sistema MPP já tornou disponíveis medicamentos genéricos para vírus como o HIV.