A difícil missão ao Sahel do chanceler Scholz
20 de maio de 2022A visita inaugural a África do chanceler alemão Olaf Scholz a África a partir de domingo (22.05) pretende ser uma demonstração de continuidade em tempos de grande turbulência. Em fevereiro, a guerra de agressão russa na Ucrânia forçou o Presidente Federal Frank-Walter Steinmeier a interromper a sua viagem a África quando se encontrava no Senegal.
É precisamente neste país que Scholz inicia o seu périplo, seguindo depois para visitas oficiais aos importantes parceiros Níger e África do Sul. Em África como em todas as visitas externas, a Rússia será sempre um tema, mesmo que subliminar, nos encontros planeados.
O chanceler, que assumiu as funções há quase seis meses, começa por visitar dois países considerados âncoras de estabilidade numa África Ocidental em crise. O Senegal, que detém atualmente a presidência da União Africana, é, desde há pouco, um país parceiro do grupo de sete nações mais industrializadas G7.
O Níger, como parceiro militar e país de trânsito para a migração para a Europa, tem sido desde há muito um país-chave nas estratégias da Europa para África. Ambos fazem fronteira com o Mali, onde um golpe de Estado derrubou o Governo legítimo, resultando num crescente isolamento dos parceiros europeus e africanos.
Um parceiro militar e o medo de efeitos secundários
Até há um ano e sob liderança francesa, o Mali era o principal alicerce da União Europeia (UE) na luta contra o terror no Sahel. Mas a falta de entendimento com o Presidente interino Assimi Goita imposto pela junta militar que tomou o poder à força levou Paris a pôr cobro à sua missão militar Barkhane.
A UE suspendeu a sua missão de formação. O Níger, que já acolhe soldados de vários países ocidentais - incluindo tropas francesas reafetadas do Mali – poderia fornecer uma nova base para esta ou subsequentes missões. O governo de Niamey já assinalou o seu interesse.
Apesar de dúvidas sobre a segurança das suas forças no Mali, devido à retirada da França, o parlamento federal alemão aprovou recentemente a continuação da participação da Bundeswehr na missão das Nações Unidas no país por mais um ano.
"A Alemanha não é vista no Sahel do mesmo modo que a França", disse à DW o perito em segurança Priyar Singh do Instituto Sul Africano de Estudos de Segurança (ISS). Nos últimos tempos subiu o tom de críticas africanas à antiga potência colonial França na região, por alegadamente defender apenas os seus interesses na África Ocidental.
"A Alemanha aparece como um parceiro um pouco mais neutral do que a França, em parte porque até agora concentrava a política nas relações económicas", diz o analista.
A população nigerina tem grandes reservas em relação a uma presença reforçada de tropas internacionais no país, diz por Olaf Bernau, membro da direção da rede de organizações da sociedade civil Fokus Sahel. Pessoas no Níger disseram-lhe que prevalece o medo de que a presença de tropas internacionais leve ao alastramento do conflito com grupos jihadistas dentro do país, disse Bernau à DW. Segundo o ativista, a mensagem que os nigerinos querem passar ao chanceler Scholz é que ajude a dissuadir a França de enviar mais tropas para o Níger.
Formação militar e reforço dos sociedade civil
Desde 2018 que a Alemanha treina as forças especiais nigerinas na "Operação Gazelle". A operação, cujo final está agendado para este ano, é considerada pelo Ministério alemão da Defesa um protótipo bem-sucedido de cooperação internacional em matéria de segurança.
Durante a sua visita às tropas alemãs em abril, a ministra Federal da Defesa Christine Lambrecht falou de um "projeto exemplar", alimentando especulações de que o Níger poderia tornar-se a sede da missão que sucederá à sucessora da Missão de Formação da União Europeia no Mali (EUTM na sigla inglesa).
Os analistas salientam que a cooperação militar não basta para solucionar a crise de segurança no Sahel. "A lógica exige medidas locais de construção da paz sob a liderança alemã", diz o perito em segurança Priyar Singh. A Alemanha tem experiência relevante nesta área, acrescenta. "Poderia assim construir confiança e dar um novo impulso a iniciativas e movimentos populares".
Como sair da dependência no sector da energia
O setor privado também deposita grandes esperanças na viagem inaugural do chanceler. O périplo acontece na altura indicada, disse à DW Volker Treier, diretor do comércio externo da Câmara de Indústria e Comércio Alemã (DIHK). A guerra de agressão russa na Ucrânia, mas também o confinamento em curso em Xangai, puseram a descoberto dependências unilaterais, por exemplo, no sector da energia. "Precisamos de contruir relações com muitos países e de uma forma diferente, fechar variados acordos para o fornecimento de energia e também em questões de política de segurança", salienta Treier.
A África abre à Alemanha oportunidades importantes nestas áreas, e não apenas no que diz respeito às energias fósseis, como o gás líquido. O Senegal tem investido muito em energia solar nos últimos anos e poderia desempenhar um papel pioneiro na exportação para a Europa.
Investimentos na energia são bem-vindos
A transição energética é um tema central também na última etapa da viagem do chanceler Scholz, a África do Sul. O país depende fortemente de importações de carvão e tem grande necessidade de diversificar o seu sector energético, diz o analista Singh: "A África do Sul vive uma crise energética desde pelo menos 2008. O fornecimento não chega para satisfazer as nossas necessidades. Existe aqui um potencial incrível para uma parceria entre a África do Sul e a Alemanha, em termos de investimento ou mesmo de transferência de know-how técnico".
Volker Treier refere o que considera ser um desenvolvimento positivo: o Acordo de Livre Comércio para África, que entrou em vigor no início de 2021 e poderia desenvolver um potencial semelhante ao do mercado único europeu, acredita. O acordo melhorou os parâmetros para investimentos privados de empresas alemãs em África, importantes também para gerar emprego. Outros produtos africanos para além das matérias-primas, poderão passar a assumir um papel mais importante nas cadeias de abastecimento internacionais, vaticina.