A Guiné Equatorial e a "teia da corrupção" na lusofonia
4 de junho de 2021Portugal continua a ser "um facilitador de esquemas de corrupção, fluxos financeiros ilícitos e de branqueamento de capitais, que acabam por entrar na União Europeia, tal veio a evidenciar o escândalo Luanda Leaks", indica uma declaração conjunta de 11 organizações da sociedade civil.
A declaração foi publicada esta semana por ocasião da sessão especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o tema e a par das denúncias da organização não-governamental EG Justice sobre corrupção na Guiné Equatorial, com tentáculos nalguns dos países lusófonos.
As ONG signatárias da declaração exigem que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) reforce as normas anticorrupção e de boa governação.
"As graves violações de direitos humanos que nós verificamos em alguns países da lusofonia, concretamente aqueles que são referidos no nosso comunicado – Angola e Guiné Equatorial – são decorrentes da corrupção endémica e sistémica", explica Karina Carvalho, diretora executiva da Transparência e Integridade Portugal.
Particularmente preocupante, sublinha a responsável, é "o papel de Portugal na facilitação de fluxos financeiros ilícitos e também como plataforma, que dá espaço de manobra ao dinheiro sujo que vem de alguns países da lusofonia", acrescenta Carvalho.
"Portugal é, no quadro da CPLP, o único país da União Europeia que, ao longo dos anos, tem robustecido os seus mecanismos anticorrupção e antibranqueamento de capitais, mas, como nós temos verificado, falha redondamente o seu compliance nesta matéria."
Rede na CPLP
De acordo com a declaração conjunta, as mais recentes investigações sobre alegada corrupção de empresas portuguesas relacionadas com as elites da Guiné Equatorial estão a avançar a um ritmo muito lento.
Várias empresas beneficiaram de importantes contratos com a adesão da Guiné Equatorial à organização lusófona.
O jornalista português Hélder Gomes cita alguns exemplos: "A Agência Nacional de Infraestruturas do país fez contratos de mais de 900 milhões de euros com uma única empresa portuguesa, que viria a ser comprada por um conglomerado brasileiro envolvido no escândalo de corrupção da Lava Jato", afirma.
"Depois, há situações de corrupção e de nepotismo com a filha do Presidente Obiang a presidir à Agência Nacional de Infraestruturas e a receber benefícios fiscais em duas empresas que detém", acrescenta o jornalista.
Hélder Gomes aponta também o exemplo de Francisca Nguema, uma das filhas de Obiang, que conseguiu que duas das suas empresas poupassem 1,5 milhões de euros nos dois primeiros anos de adesão à CPLP por se encontrarem registadas na zona franca da Madeira, em Portugal.
A rede de tentáculos estender-se-á a Moçambique, Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Para o jornalista, a CPLP é cada vez mais uma plataforma facilitadora de negócios obscuros operados numa espécie de zona franca lusófona, mas com "danos reputacionais porventura irreparáveis" para a organização sedeada em Lisboa.
"Pobreza aumenta cada vez mais"
Lucas Olo Fernandes, ativista de direitos humanos, lembra que o Índice de Perceção de Corrupção da Guiné Equatorial caiu quatro pontos nos últimos anos.
"Desde que a Guiné Equatorial faz parte da CPLP, o índice não melhorou. A CPLP não contribuiu para que as coisas melhorassem."
O ativista equato-guineense, que colabora com a EG Justice, uma organização com sede nos Estados Unidos, frisa que tais negócios têm beneficiado sobretudo uma pequena elite, incluindo membros da família presidencial.
"Os negócios normalmente não são maus. Isso não é um problema", afirma. "O que se passa em países como a Guiné Equatorial é que [tais negócios] não têm um impacto [positivo] na vida dos cidadãos. A pobreza aumenta cada vez mais e [os negócios] só beneficiam alguns."
Os entrevistados afirmam ainda que as violações dos direitos humanos aumentaram e, apesar da moratória assinada com a CPLP, os cidadãos da Guiné Equatorial ainda vivem sob o espetro da pena de morte, cujo processo de abolição continua por cumprir.
Lucas Olo sustenta que fazer parte da CPLP deve ser uma oportunidade para implementar as mudanças necessárias no país nestes capítulos.