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A música de intervenção em Angola vive tempos difíceis

Daniel Pinto Lopes / Francisca Bicho21 de março de 2013

As notícias da alegada apreensão dos últimos DVDs do músico angolano "Brigadeiro 10 Pacotes" levantaram novamente as dúvidas sobre a existência ou não de censura musical em Angola.

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Khris MC e Afroman analisam o estado do rap e do hip-hop angolanosFoto: © jamdesign - Fotolia.com

De um lado, uma voz feminina do hip-hop feito em Angola, Khris MC, assevera que existe censura e repressão direta aos músicos ligados a este género musical. Do outro lado, uma voz masculina do rap criado neste país africano, Afroman, afirma que há vozes revolucionárias a serem pagas “para não cantarem mais”, pondo em causa a sua credibilidade.

“Desde há três anos que a censura aumentou devido às manifestações e quase toda a gente ficou a saber o que se passou, porque alguns jovens colocaram vídeos na Internet e aqueles que estavam na liderança dos protestos eram músicos de hip-hop”, salienta Khris MC em entrevista à DW África.

A artista garante que as músicas mais comerciais beneficiam de um tratamento diferente em relação às músicas apelidadas 'underground' e de intervenção.

“As músicas mais comerciais não são censuradas. São abraçadas e os artistas têm maior facilidade em dar concertos. Há uma grande facilidade e, porventura, muitos nem precisam de tratar de papeladas para dar espectáculos. Já para os fazedores de hip hop isso não acontece. Há mesmo muita censura”, afirma.

Khris MC
Khris MC garante que há censura e "repressão direta" aos artistas ligados à música de intervençãoFoto: Privat

A "repressão directa" aos músicos de intervenção

Khris MC afirma peremptoriamente que a censura de que fala dificulta a vida a alguns músicos angolanos. “Alguns não têm posses financeiras para fazerem a promoção e divulgação das suas músicas. Nos meios de comunicação há uma censura tremenda, porque não aceitam passar certo tipo de música”, conta. E dá outro exemplo. “Se se estiver num programa de televisão e quiser falar sobre alguns temas ou ser um pouco mais frontal e aberto, o apresentador logo interrompe e corta”, detalha.

A artista de hip-hop chega mesmo a falar em “repressão direta” e que as pessoas “procuram fingir o que não existe”. Já quem sofre desta repressao, como diz Khris MC, muitas vezes “não consegue fazer face” à mesma, por falta de meios próprios.

Afroman, voz do rap angolano, refere, por seu turno, que o conteúdo das músicas deste género musical “está cada vez mais vazio”.

“Está a nascer uma nova geração dos meninos do colégio, que vivem muito a vida dos videoclips e vão cantando sempre com a postura de que eu sou, eu faço, eu sou o melhor”, critica. Do outro lado da moeda estão aqueles que fazem “bom” rap de intervenção, mas cada vez em menor número.

A opção por músicas consideradas “mais vazias” não se deve ao medo, garante Afroman. O que está em cima da mesa é o dinheiro. “A certa altura, as pessoas deram conta de que a música vende, mas a música de intervenção tem de vir da alma. Porém, as pessoas querem estar mais na moda, querem estar com ‘swag’ [em linguagem juvenil significa ter estilo, ser fixe] e querem fama. Estas músicas são mais facilmente aceites na rádio e na televisao”, explica à DW África.

Rapper MCK aus Angola
A Rádio Luanda, "controlada pelo partido no poder", diz Khris MC, atribuiu um prémio este ano ao rapper MCKFoto: MCK

A forma como o povo angolano lida com a verdade

Afroman não relaciona esta falta de força nas mensagens com censura e dá o exemplo de MCK, que, em janeiro, ganhou o prémio na categoria Rap do Top Rádio Luanda 2012, emissora que, confidencia Khris MC, é, de certa forma, controlada pelo partido no poder.

“O facto de o MCK ter ganho o prémio mostra que as pessoas estão a ouvir. O povo hoje já sabe ver o que dá para consumir e o que não dá. Mas certas músicas, como as do Brigadeiro 10 Pacotes, revelam que o nosso povo gosta da verdade, mas não sabe como lidar com ela”, afiança Afroman.

Neste ponto em concreto, o músico refere que quando as músicas expõem a verdade “é o proprio povo que, por vezes, se vira contra o artista”. “Será o governo ou o povo que não gosta da verdade?”, questiona o rapper.

Afroman afirma ainda ter ouvido relatos de músicos de intervenção “pagos para não cantarem mais”, algo que faz com que percam a credibilidade, porque, assevera, “um revolucionário não se pode vender nem pode aceitar dinheiro para se calar”.

A problemática da auto-censura

Tal afirmação conduz à problemática da auto-censura, fator que Khris MC diz estar presente, sobretudo pela situação sócio-económica e sócio-cultural vividas em Angola. “Existem pessoas com dinheiro e outras que vivem de uma forma miserável”, relata. Para além destas duas dimensões, a rapper diz ainda que se está perante “uma questão de carácter e de educação”.

“Se eu não recebi a educação de que a honra e a dignidade estão acima do dinheiro, facilmente me corrompo e auto-censuro. Em vez de dar a conhecer as coisas e de ir contra o mal, alio-me a ele. Saio vencedor, encho o meu bolso e fico a viver bem”, destaca.

Symbolbild Iran Internet Zensur
A Internet é vista como uma forma de abrir os horizontes fechados pela censura.Foto: fotolia/mezzotint

A Internet como um novo mundo para a música de intervenção

A Internet é vista como uma forma de “escape” a qualquer tipo de censura e Khris MC afirma que, hoje em dia, acaba por ser “um meio muito usado” para as pessoas “dizerem livremente o que pensam e sentem”, citando a revolução no Egipto, a qual foi organizada através da World Wide Web.

Já para Afroman, o facto de haver músicas a afirmarem que o presidente angolano “não está a trabalhar bem ou que não é honesto”, motivo para que as mesmas não sejam transmitidas numa rádio “que é do governo”, não impede que este tipo de canções seja ouvido na Internet.

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