Ainda há dúvidas sobre fim da pena de morte na Guiné Equatorial
7 de março de 2014
Ana Lúcia Sá, investigadora portuguesa ligada ao Centro de Estudos Africanos do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), não acredita que a Guiné Equatorial irá deixar de violar os direitos humanos, depois do Governo de Malabo ter tornado público que assinou a 13 de fevereiro último o decreto número 426/2014, pelo qual se concede a amnistia temporária contra a pena de morte.
Ana Lúcia Sá vinca as diferenças: "A pena de morte poderá estar suspensa, não é o mesmo que estar abolida. Mas isso não impede que a impunidade continue a existir na Guiné Equatorial e que mortes estranhas continuem a acontecer como nos últimos anos."
Há cerca de duas semanas, a investigadora denunciou num diário português nove recentes casos de pessoas executadas sumariamente naquele país, sem direito a uma apelação.
Malabo ainda tem de fazer o trabalho de casa
Ana Lúcia Sá questiona agora a declaração proferida esta quarta-feira (05.03) por Alfonso Nsue Mokuy, terceiro vice-primeiro-ministro encarregado dos direitos humanos na Guiné Equatorial, ao confirmar perante o Conselho das Nações Unidas em Genebra, na Suíça, a assinatura pelo Governo do Presidente Teododo Obiang Nguema de um decreto contra a pena de morte.
Para a investigadora, esta decisão está longe da exigência de uma moratória, antes defendida por Portugal, como uma das condições para o país de língua hispânica, com estatuto de observador, vir a ser admitido como membro de pleno direito da Comunidade de Língua Portuguesa, CPLP.
Ana Lúcia Sá lembra que o avanço de Malabo ainda não corresponde ao desejado. "Supõe-se que a pena de morte devia ser abolida definitivamente na Guiné Equatorial para uma entrada na CPLP, mas de facto esta resolução 426 do Presidente Teodoro Obiang não vai ao encontro das exigências da CPLP. Não creio que as situações, tanto a nível dos direitos humanos, como do Português melhorem", declarou.
Lisboa vê com bons olhos avanço de Malabo
Também em Genebra, o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, afirmou que "a abolição da pena de morte é um passo muitíssimo importante", admitindo que a entrada da Guiné Equatorial na CPLP pode aproximar o país de parâmetros de um Estado de direito.
A decisão final sobre a admissão será tomada em Díli, Timor-Leste, na cimeira dos chefes de Estados e de Governo da CPLP, prevista para julho deste ano.
Semana depois do Conselho de Ministros da Comunidade, realizada no mês passado em Maputo, Moçambique, a deputada do Bloco de Esquerda (BE) Helena Pinto pediu no Parlamento o veto de Portugal à adesão da Guiné Equatorial ao bloco lusófono: "Espero bem que seja possível discuti este tema e ser possível reverter esta situação, porque Portugal tem direito de veto e não deve abdicar de o exercer."
Numa carta aberta, recentemente endereçada ao primeiro-ministro português, o ativista político guineo-equatoriano Samuel Mombe criticou com indignação a hipocrisia do Governo de Lisboa ao ter dado aval à pretensão do Executivo de Obiang Nguema em fazer parte da CPLP.
Por outro lado, tal como a oposição socialista, o Bloco de Esquerda alinha igualmente à pressão contra a eventual entrada de empresas estatais da Guiné-Equatorial no capital do Banco Internacional do Funchal (BANIF), mas também no Milleniumm BCP, banco português controlado pela petrolifera estatal angolana, Sonangol.
Negócios acima do bem e do mal?
Ana Lúcia Sá questiona, de igual modo, a abertura da CPLP a estes investimentos e a países extra-comunitários. "Porque não a China também? Macau é uma província da China", observa. "Agora se isso reverter para que os cidadãos da CPLP compreendam também o que é a CPLP, pelo menos que haja um debate público e que os nossos governantes não façam da CPLP o seu nicho de bons negócios", sublinha ainda.
A investigadora, que esteve em 2010 na Guiné Equatorial no âmbito de uma ação de cooperação organizada pelos centros culturais espanhóis de Bata e Malabo sobre literaturas africanas, disse à DW África que não se apercebeu alí do real interesse para a implementação do ensino do português.
"Creio que estas duas questões [a violação dos direitos humanos e o ausência do ensino do português] são fundamentais, também para as pessoas que na Guiné Equatorial se opõem à entrada na CPLP, porque acham que é apenas mais um capricho do Presidente Teodoro Obiang que não vai reverter em nada na melhoria das condições de vida da população».
O relatório de 2013 do Departamento de Estado norte-americano sobre direitos humanos, divulgado em finais de fevereiro último, foi claro ao referir que a Guiné-Equatorial vive sem liberdade e sob ameaça de mortes arbitrárias, tortura e uso de força praticados pelas autoridades.