Além da literatura, Ondjaki cria diálogos durante debate na Alemanha
6 de junho de 2012Com o último livro, “A bicicleta que tinha bigodes”, na bagagem, Ondjaki visitou três instituições de ensino superior alemãs, a convite do Instituto Camões. Na Universidade de Colónia, a conversa fluiu entre o escritor angolano e uma sala repleta de alunos e professores conhecedores da língua portuguesa.
Para Ondjaki, a ida a Colónia teve mais do que um propósito: “Esta é uma oportunidade pessoal, porque estou aqui a falar dos meus livros e da minha literatura, mas também a um outro nível. Estabelecer novas pontes de diálogo e culturais, através da literatura”.
Surpreendente, para o autor, foi mesmo o nível de português dos estudantes alemães: “Eu penso que os estudantes, aqui, estão muito bem preparados. Fico sempre agradavelmente surpreendido pelas perguntas e pelo nível da língua portuguesa”, explicou.
Durante dois dias, a Universidade de Colónia debateu as questões ambientais nas culturas dos países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). "Entes e Ambientes” foi o mote para discutir a obra de Ondjaki.
Apesar de tudo, o autor prefere distanciar-se de formalismos: “É uma maneira académica de pegar nisso. Falar dos ambientes ou entrar por outra porta qualquer é um modo de analisar. Mas eu não percebo, nem quero perceber, porque, de facto, não cabe ao escritor estar a fazer essas análises.”
"Desentendedor" do Acordo Ortográfico
Fã do acto de “desportuguesar” a linguagem, Ondjaki opta também por ficar à margem da discussão do ainda polémico Acordo Ortográfico, assumindo-se o maior "desentendedor” na questão.
O escritor angolano, formado em Sociologia, confessa que se sente “cada vez menos capaz” de falar sobre o assunto. Apesar de tudo, não hesita na altura de apontar o dedo aos responsáveis: “Acho que quem se deve pronunciar são as pessoas que fizeram o acordo. A única coisa que eu senti é que a discussão podia ter sido mais abrangente. Mas, enfim, isso é uma coisa meio política e para um político assinar acordos não pergunta nada a ninguém”, critica.
É também aos políticos que Ondjaki apela, quando questionado sobre o período instável que se vive no continente que o viu nascer, lembrando que esse “ambiente conturbado” se vive também no resto do mundo.
O autor justifica: “Tudo isto porque às vezes nos esquecemos de encarar uma coisa muito simples: a desigualdade social é um dos grandes malefícios das sociedades contemporâneas. Uma coisa são as revoluções mais marcadas e mais evidentes. Mas a revolução do pensamento deve ser um acto contínuo. Quem, sobretudo, deve ter muito cuidado e rever o seu pensamento, todos os dias, são os políticos”, assinala.
Vários ambientes, leitores parecidos
O Brasil, que lhe mostrou Guimarães Rosa, e onde vive há 5 anos, e a Angola da Guerra Civil, onde passou a infância, são apenas exemplos dos ambientes dos contos, poemas e romances de Ondjaki abordados em Colónia.
Inspirações à parte, seja na Europa, na América ou no continente africano, os seus livros, diz o autor, são recebidos de forma semelhante: “Eu não sou um escritor de grandes vendas. O meu público, se o tenho, é um público que me lê por algumas pequenas razões. Não noto muitas diferenças”, afirma.
Pelo contrário, explica, as reacções que recebe “são parecidas”: “Eu vejo que deve haver alguma coisa que une essas pessoas. Eu escrevo muito a partir de pessoas e de sentimentos e sensações”.
Autora: Maria João Pinto (em Colónia)
Edição: Renate Krieger