Analista critica concentração de poder em Angola
27 de março de 2012Talvez tenha sido a guerra colonial um sinal do que viria depois. Foram mais de três décadas de conflito armado entre o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), atualmente o partido governista, e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), maior força da oposição.
Angola foi alcançar a sonhada paz a 4 de abril de 2002 - há uma década. Foi preciso que o líder rebelde Jonas Savimbi, à frente da UNITA, morresse em combate para que se assinasse um acordo de paz.
Com o fim da guerra, muito se avançou. Exploram-se petróleo e diamantes. Constrói-se. Reconstrói-se. Os angolanos ganharam o direito de ir e vir, mas ainda precisam conquistar muitas outras possibilidades, como a liberdade de expressão e de manifestação. É o que conta à DW África o jornalista e analista luso-angolano, Orlando Castro, na entrevista a seguir.
DW África: Quais são, no seu ponto de vista, as maiores conquistas nestes dez anos de paz?
Orlando Castro: Desde logo, a própria paz. Um período de dez anos sem que a linguagem das armas seja a que mais se fala no país é logo um ponto muito importante. Há um balanço positivo no sentido da confraternização entre irmãos que estavam desavindos há muitos e muitos anos.
Do ponto de vista da economia do país, recuperaram-se muitas das infra-estruturas destruídas pela guerra, nomeadamente estradas e pontes. Do ponto de vista da construção civil, estes dez anos foram importantes. Mas serviram, ao mesmo tempo, para revelar a macrocefalia do poder e de Luanda, porque a Angola real foi esquecida. Não se investiu em fontes de produção, em fábricas, em escolas e em hospitais.
Portanto, foram dez anos em que muito se perdeu satisfazendo clientelas dos dois partidos principais, beligerantes durante a guerra, que estavam ávidas a se beneficiar do espólio dessa guerra - e que assinaram, de um lado, os acordos de paz para deixarem de comer mandioca e passarem a comer lagosta, e, do outro lado, o vencedor, na circunstância o MPLA, que se aproveitou da situação de paz para também beneficiar a sua enorme clientela sobretudo através de bens materiais.
DW África: A seguir à paz, Angola viveu um dos maiores crescimentos económicos entre todos os países do mundo, atingindo um crescimento de mais de 20%, em 2005 e em 2007. Apesar disso, muitos angolanos continuam a viver na pobreza. Como se explica esta falta do "dividendo da paz" para muitos?
OC: O crescimento económico de Angola não foi direcionado para uma das teses do Agostinho Neto, que dizia que o principal era resolver os problemas do povo. Isso foi esquecido e o crescimento económico serviu apenas para tornar Luanda uma capital vistosa, para tornar os que já eram ricos ainda mais ricos e os que já eram pobres ainda mais pobres.
As forças políticas, o governo, o regime de Angola não soube de facto canalizar todo esse potencial económico, todo o seu crescimento, para diversificar o crescimento dos diferentes pontos e regiões de Angola - concentrando tudo, ou quase tudo, em Luanda e quase fazendo de Luanda uma ilha à parte do resto do país. Daí o facto de cerca de 70% da população angolana continuar a viver na pobreza.
DW África: Os recursos naturais que abundam em Angola, como o petróleo e os diamantes, são uma bênção ou uma maldição para o país?
OC: Na perspectiva de pessoas de boa fé, seria uma bênção. Porque um país rico, em dez anos de paz, poderia de facto ter feito muitas coisas boas. O problema todo é que é uma maldição, por causa da ambição dos homens, a ambição dos que estão no poder - e sobretudo porque estão no poder há muitos e muitos anos.
Nós não nos podemos esquecer que, por exemplo, o presidente José Eduardo dos Santos, está no poder há 32 anos sem nunca ter sido eleito. Todos sabemos que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe ainda muito mais.
O petróleo, os diamantes e outras riquezas que deveriam servir em primeiro lugar para beneficiar o povo - lhes dar escola, casa, emprego, postos de saúde - não serviu para nada disso. Serviu apenas para solidificar o espírito megalómano, de um clã que está no poder e que lá se quer perpetuar.
DW África: Se compara o estado da liberdade antes do fim da guerra e a realidade nos dias atuais, qual é o seu balanço?
OC: Durante a guerra existiria uma liberdade muito condicionada, porque os que eram afetos ao MPLA teriam alguma liberdade no círculo do MPLA e os que eram afetos da UNITA teriam essa liberdade se estivessem do lado da UNITA. Acabado esse conflito surgiu um outro conflito, que é o de interesses.
Portanto, a liberdade em sentido lato como a liberdade de imprensa, foi restringida porque o regime angolano prefere ser assassinado pelo elogio do que salvo pela crítica. Se os angolanos quiserem dizer o que pensam, e se o que pensam não coincidir com as regras do regime, estão visivelmente condenados.
Isso é de facto de se lamentar, porque Angola estaria muito mais evoluída e ao serviço da sua comunidade se entendesse que a liberdade de expressão e de manifestação é um direito democrático que cabe a qualquer povo.
DW África: Para os próximos dez anos de Angola, qual seria o seu desejo?
OC: Temo que a eventual saída de cena do presidente (José) Eduardo dos Santos, se não for por uma via democrática, possa complicar e reacender conflitos antigos. Num país que viveu a guerra colonial, depois viveu a guerra civil e tem dez anos de paz, mais dez anos de paz não serão ainda suficientes para solidificar todo esse espírito pacífico que se espera que se tenha.
Assim, saibam os políticos compreender que a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro. Se todos entendermos isso, provavelmente, Angola conseguirá ser um conjunto de pessoas, um povo, uma nação, coisa que hoje manifestamente não é.
Autor: João Carlos (Lisboa)
Edição: Cris Vieira / Renate Krieger