Angola: "A CNE deve ser mais transparente"
14 de fevereiro de 2022O coordenador do Observatório Eleitoral Angolano (ObEA) diz que está preocupado com a contratação da empresa espanhola Indra para organizar a logística e a solução tecnológica para as eleições gerais, previstas para agosto.
Em entrevista à DW África, Luís Jimbo afirma que o "historial" da empresa não o tranquiliza, apesar de a Indra já ter garantido que o processo será conduzido "de forma profissional e transparente".
A oposição angolana também tem denunciado que a Indra é uma empresa de "triste memória". Segundo o jornal "El Confidencial", a empresa foi multada em Espanha no âmbito de uma investigação pelo pagamento de comissões ilegais de 2,4 milhões de euros, durante as eleições gerais de 2012. A Indra teria "triangulado faturas com empresas internacionais para pagar comissões a intermediários", escreveu a publicação. Entretanto, despediu o seu responsável pelos processos eleitorais.
A CNE assegura que o concurso público em que a Indra foi escolhida para as eleições deste ano respeitou a lei: só duas empresas teriam apresentado propostas para a solução tecnológica – a Indra foi a escolhida porque a outra concorrente "violou as regras do concurso".
DW África: A CNE garante a lisura do processo e não vê qualquer problema com a empresa Indra. O que pensa o ObEA sobre o papel da CNE na contratação da Indra?
Luís Jimbo (LJ): A própria CNE é quem contrata. Portanto, quem vai auditar estes ficheiros eletrónicos? Como é que a CNE está a contratar as empresas e a envolver a sociedade civil e os partidos políticos para acompanhar este processo? Também [chamamos a atenção] para a contratação dos serviços logísticos – ficámos felizes por a CNE ter lançado um concurso público, mas deveria debater-se mais exaustivamente [como decorreu] este concurso. Há bastante dinheiro envolvido… Porque é que a CNE foi contratar [uma empresa] fora do país, para a logística? Isso não pode ser fornecido cá em Angola?
DW África: Acha, portanto, que parte dos serviços encomendados no estrangeiro à Indra, por exemplo, poderia ser pedida a empresas angolanas?
LJ: A cabine de voto é de papelão. Aqui em Angola temos gráficas que fazem caixas para transporte de mercadorias que podem fazer uma cabine de voto. A urna é de plástico, e qualquer estabelecimento que faz bases ou bacias pode fazer a urna. O boletim de voto é de papel… Portanto, se olharmos para o envolvimento de dinheiro em tudo isto e para a insistência de ir buscar empresas lá fora, como a Indra, para nos fornecer esse tipo de material, voltamos à suspeição da prática de corrupção, que é comum na relação entre governantes angolanos e empresas estrangeiras: adquire-se dólares no Banco Nacional de Angola, paga-se o serviço lá fora e fica o dinheiro lá fora. É isto que nos está a preocupar em relação à CNE.
DW África: O que está a dizer é que a CNE, ou membros da CNE, podem estar envolvidos em casos de falta de transparência ou mesmo de corrupção?
LJ: A CNE tem de olhar para este processo com mais inclusão e dar a conhecer os seus atos contratuais com mais transparência. Até agora, ainda não está claro – a CNE ainda não tornou público – que tecnologia será usada ou que métodos de auditoria serão empregados. E, junto a isto, [vemos novamente] as mesmas empresas, suspeitas de corrupção eleitoral.
DW África: A Indra já esteve envolvida em outras eleições gerais em Angola, nomeadamente em 2008, 2012 e 2017. Na altura, foram observados alguns problemas ou algum tipo de falta de transparência?
LJ: O historial da Indra em Angola é associado a ligações com empresas [visadas] no âmbito do programa de corrupção. Em 2008, a Indra associou-se a muitas empresas criadas para facilitar e apoiar o processo eleitoral – algumas dessas empresas acabaram por ser citadas em relatórios de corrupção e outras desapareceram, mas a Indra esteve sempre presente neste processo. Isto deixa-nos preocupados.