Angola-Brasil: relações em risco por causa da IURD?
20 de julho de 2020É uma autêntica guerra aberta, que envolve muitos interesses - inclusive financeiros - no seio da igreja fundada no Brasil em 1977 por Edir Macedo no Rio de janeiro. Desde o início, a Igreja Universal começou a expandir-se um pouco por todo o mundo com especial incidência para os países lusófonos.
Em África as relações nunca foram completamente livres de conflitos. Em Angola esse conflito está atualmente a mostrar-se de forma mais explícita. A "guerra" já terá começado no ano passado.
Os representantes angolanos da IURD afirmam ter o controlo de mais de 40% dos templos, numa altura em que os cultos religiosos estão suspensos em Luanda e Cuanza Norte devido à covid-19. Do outro lado da trincheira estão os representantes brasileiros da IURD, residentes em Angola.
As partes têm lançado acusações mútuas, principalmente através da imprensa. Os angolanos acusam os brasileiros de desvio de dinheiro e também de comportamento racista. Os brasileiros, por sua vez, devolvem as acusações, acusando os angolanos de xenofobia e má fé. Por trás da guerra estarão sobretudo interesses financeiros e políticos, segundo os observadores.
"Conflito vai beliscando relações entre os dois países"
Um especialista em questões internacionais ouvido pela DW África diz que "pelo andar da carruagem vai beliscando". Outros comentadores afirmam, no entanto, que a situação não coloca em causa as relações entre os dois países irmãos. É os caso de Nkikinamo Tussamba, especialista angolano em questões internacionais, que - em entrevista à DW África - chama a atenção de que "não existe nenhum conflito entre o Brasil e o Estado angolano."
Em conflito estão os pastores angolanos e brasileiros da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Mas há quem indique que a situação já ganhou "outros contornos", tendo mesmo atingido as chefias politicas dos dois Estados. O presidente do Brasil Jair Bolsanaro terá mesmo escrito uma carta ao seu homólogo João Lourenço, manifestando a sua preocupação com diferendo entre membros da IURD, em Angola. Luanda, por sua vez, também já se mostrou preocupada e vai mesmo discutir a situação no Parlamento angolano já nos próximos dias. Nkikinamo Tussamba, comenta: "Não deveria manchar as relações bilaterais entre os dois países. Mas, conforme nós estamos a assistir ao desenrolar da situação, estamos a perceber que realmente vai beliscando, pelo menos em parte, as relações entre os dois países. Muito mais pela pressão que o Parlamento brasileiro vai exercendo em torno desta situação. E aqui nos questionamos: por quê a intervenção?"
José João, outro especialista em relações internacionais, não prevê que este diferendo venha a afetar as relações entre os dois Estados; e lembra que o Brasil foi o primeiro país do mundo a reconhecer a independência de Angola, a 12 de novembro de 1975.
"Eu acredito que poderá não haver nenhum conflito em termos de relações diplomáticas entre o Brasil e Angola, tendo em conta que o conflito que existe entre pastores angolanos e brasileiros, em Angola, nada tem a ver com o Estado angolano. Porque Angola é um Estado laico e em termos de resolução de conflitos devem ser provadas as acusações que os pastores angolanos fazem contra a liderança brasileira em Angola."
Por onde passa a solução?
Nkikinamo Tussamba, propõe conversações entre os serviços diplomáticos dos dois países: "Deveria existir uma vontade das duas partes e, por meio desta vontade, uma solicitação em resolver essa situação da melhor forma possessível. Esse seria o caminho certo."
José João, por sua vez, espera a intervenção do Instituto Nacional dos Assuntos Religiosos. Só assim se poria fim ao conflito. A laicidade do Estado angolano não deveria, no entanto, ser posta em causa, afirma ainda o especialista: "Deviam encontrar um denominador comum, para que sejam salvaguardados tanto os interesses dos pastores angolanos como os interesses dos pastores brasileiros."