Ser gay em Malanje é arriscar a vida
3 de setembro de 2021Na província angolana de Malanje, a comunidade LGBTQ+ vive o drama quotidiano da não aceitação. Grupos conservadores chegam ao ponto de exigir castigos severos para as pessoas que querem o direito à livre orientação sexual. Isto, apesar de quem proferir discursos de ódio e incentivar à violência estar a cometer um crime.
Como lembra o jurista Twaila Nzuma: "A discriminação está proibida nos termos do artigo 23.º da Constituição, que diz que ninguém pode prejudicar ou discriminar de qualquer forma uma pessoa, por ser um homossexual".
Mas em Malanje a realidade é outra. A livre orientação sexual de integrantes da comunidade é rejeitada por indivíduos que cultuam valores tradicionais. A DW África falou com um jovem de 24 anos do bairro da Kanambua, que pediu o anonimato por razões de segurança.
Ameaças de morte
O jovem conta que muitos desejam a sua morte por ser gay. "Tem aqueles que disparatam: 'Não tens vergonha de ser assim! Virar mulher, em vez de você dar filhos, dar netos à tua mãe, não! Você merece morrer! Um dia vou te passar com o carro por cima'".
São acontecimentos traumatizantes para o jovem, que se vê abandonado à sua sorte. "Não me sinto bem porque não tem ninguém que nos ajuda. Nós precisamos de ajuda, é por isso eu estou assim nesse estado", diz.
Muitos cidadãos assumem abertamente posições homofóbicas, afirmando que gays e lésbicas não são bem-vindos na província. O reformado Francisco Bartolomeu, de 56 anos, acha que a educação dada pelo pai é determinante para o comportamento sexual dos filhos. "Eu, pai, é que tenho de dar ordem. O filho não pode me dar ordem, ou a filha", afirma. Na verdade, a ciência ensina que a educação não tem influência na orientação sexual do indivíduo.
A homossexualidade é universal
Outro argumento comum, mas erróneo, é que a homossexualidade é uma ideia trazida de fora, como diz Francisco Bartolomeu: "É a invenção dos outros países que eles estão a acompanhar. E é o que está a estragar a nossa cultura".
Pesquisadores africanos como o nigeriano Bisi Alimi descobriram que as práticas homossexuais em África são históricas. Muitas sociedades tradicionais africanas consideravam as ligações sexuais entre pessoas do mesmo género completamente lícitas.
O que foi exportado para África, defendem muitos pesquisadores, não foi a homossexualidade, mas a homofobia. Em Angola, por exemplo, a igreja trazida pelos portugueses proibiu os "chibados".Era o nome que se dava a uma casta de adivinhos masculinos, que, acreditava-se, levavam dentro de si poderosos espíritos femininos, que passavam a outros homens através do sexo anal.
Hoje, a rejeição muitas vezes começa dentro da própria família. A estudante do ensino médio, Maria Ngunza, de 22 anos, vive desiludida pelo facto de o irmão ser gay. "A família já sentou com ele para ele mudar e ele disse 'não posso, porque já sou mesmo assim'."
Angola vai ter que mudar
E até entre defensores dos direitos humanos prevalece o preconceito. O presidente da Comissão Mista de Direitos Humanos da Arquidiocese de Malanje, padre Dionísio Mateus, exige respeito à comunidade LGBTQ+ e defende que os homossexuais têm direito ao batismo. "Agora, se me perguntarem se pode ser padre já não", disse Mateus à DW África.
O sociólogo Lúcio Marques defende a tolerância e o respeito às diferenças. O académico sabe que os integrantes da comunidade LGBTQ+ vivem o terror pela discriminação. Mas diz que a mudança em Angola é inevitável. "Como sociólogo, prevejo que o nosso país, dentro de pouco tempo, aprovará o casamento homossexual, porque é a ordem mundial e nós temos que dizer que os países africanos, querendo ou não, têm muita obediência àquilo [que se passa no] Ocidente".
Muitos gays, lésbicas e transgéneros já abandonaram a província. Isto porque encontram poucas pessoas esclarecidas como a empregada doméstica Neide Samarianga, de 41 anos, que se distancia de comportamentos preconceituosos. Samarianga é tia de uma jovem lésbica: "Ela não aceita ser discriminada, diz que gosta de ser assim. É normal, para mim".