Angola: Falta diálogo entre sindicatos e entidades patronais
1 de maio de 2022Assinala-se este domingo (01.05) o Dia do Trabalhador. Em Angola, o primeiro semestre do ano tem sido particularmente marcado por greves e paralisações em diversos setores nomeadamente da saúde, educação, justiça e transportes.
Os sindicatos vinculados à Central Geral de Sindicatos Independentes e Livres de Angola (CGSILA) programaram para este dia, em Luanda, um desfile de preto como forma de protesto contra os salários baixos, falta de diálogo, perseguição aos trabalhadores sindicalizados, péssimas condições de trabalho e despedimentos anárquicos.
Em entrevista à DW África, Avelino Kalunga, presidente do Sindicato Nacional de Professores e Trabalhadores do Ensino Universitário (SINPTENU), congregada na CGSILA, explica que, desta forma, o sindicatos pretendem chamar a atenção do governo e do setor empresarial para o "período de luto" dos sindicatos face à não resolução dos problemas que afetam a classe no país.
"Cada vez mais a situação social e económica degrada-se e, sobretudo, para nós no setor público", acrescenta.
Políticas que inibem o diálogo
Dados da Inspeção Geral do Trabalho, referentes a 2021, revelam que mais 17.000 processos relacionados com conflitos laborais deram entrada naquela instituição. Para o sindicalista Avelino Kalunga, os indicadores revelam a postura adotada pelos patrões contra os trabalhadores.
"Nestes últimos anos, o movimento de reivindicações aumentou exponencialmente. As entidades empregadoras decidiram partir para políticas que inibem o diálogo. Não há diálogo entre as entidades sindicais e as entidades patronais, e isso tem originado cadernos reivindicativos e greves", lamenta.
Abel Maravilhoso José, secretário provincial do Sindicato Nacional dos Professores (SINPROF) na província do Huambo, diz que os patrões cobram mais aos seus trabalhadores, do que o que oferecerem como recompensa, pelo trabalho prestado.
Esse cenário, argumenta, tem contribuído para que muitos trabalhadores vivam na indigência, o que contribui para a desconfiança e absentismo.
Conflitos laborais
Dos 17.000 processos que deram entrada na Inspeção Geral do Trabalho, afecto ao Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social, resultaram de processos de conflitos laborais, nomeadamente despedimentos sem cumprimento dos procedimentos legais, atrasos salariais, falta de pagamento de subsídios de férias e/ou de Natal e processos disciplinares.
"O trabalhador para trabalhar precisa de uma renomeação, precisa de sentir valorização, a sua capacidade mental, porque é isso que traduz o trabalho, prestar a nossa capacidade, a nossa massa cinzenta, a nossa força física para um determinado serviço. E dali resultar uma remunerarão compatível com o trabalho desempenhado", defende o sindicalista Abel Maravilhoso José.
Ouvido pela DW, o empresário Domingos Fernando João, que atua no setor da construção civil, garante que a sua empresa pauta pela valorização do capital humano, que considera "o recurso mais valioso". Promove ações formativas que visam elevar o nível dos seus colaboradores.
Ainda assim reconhece que não tem sido fácil cumprir os compromissos com os seus colaboradores, sobretudo com o pagamento atempado dos salários, uma situação que atribui à conjuntura do país.
Entretanto, defende uma relação aberta e franca com os colaboradores como forma de ultrapassar os conflitos laborais que muitas empresas atravessam.
"Não devemos esconder nada dos nossos colaboradores, sobretudo quando não estamos em condições de cumprir um compromisso que assumimos com eles, porque isso é que cria conflitos nas empresas".
Legislação laboral do país
Chamado a comentar a atual relação jurídico-laboral entre trabalhadores e empregadores marcada, nos últimos tempos, pela apresentação de cadernos reivindicativos, denunciais de despedimentos à margem dos direitos laborais, e greves, tanto no setor público como em empresas privadas, o jurista Serrote Simão, entende que a atual legislação laboral do país peca pelo facto de não observar o princípio da proteção do trabalhador.
"A nossa Lei não observou o princípio da proteção do trabalhador, o princípio da continuidade da relação jurídico – laboral, bem como o princípio da intangibilidade salarial", explica.
Serrote Simão espera que a revisão em curso da Lei Geral do Trabalho, na Assembleia Nacional, tenha em consideração as matérias relativas à proteção do trabalhador como forma de manter a estabilidade laboral e maior proteção do trabalhador.
"Para o legislador futuro é preciso que se observe o que regula, a essência da norma jurídica. Portanto, quando não se observam estes princípios, estaremos a criar causas para a conflitualidade de relação jurídico-laboral", conclui.