Angola: Famílias aguardam justiça pelo massacre no Namibe
5 de janeiro de 2018Vinte e cinco anos depois do massacre no Namibe, as memórias dos sobreviventes não se apagam. Justino Titinho conseguiu escapar com vida à repressão do dia 5 de janeiro de 1993. Nesse dia, terão sido assassinadas mais de 600 pessoas na capital da província do Namibe, Moçâmedes, e na zona piscatória do Tombwa.
Justino Titinho perdeu muitos familiares, amigos e vizinhos nesse dia, que não gosta de recordar: "A memória é triste, é dolorosa, existem valas comuns tanto aqui no município de Moçâmedes assim como no Tombwa, mas graças a Deus hoje estou a falar como sobrevivente do 5 de janeiro. Aqueles que puderam sobreviver conseguiram sair deste prédio, por volta das cinco horas do dia 5 de janeiro, passaram pela cidade e conseguiram transpor o deserto. Ainda tenho a memória dos companheiros que neste prédio perderam a vida."
Justino Titinho fugiu então para o município de Quilengues, na província da Huíla. A viagem foi longa e ele recorda: "A caminhada foi dolorosa, foi difícil. Levamos 12 dias até chegarmos à comuna do Dinde e aí tivemos que parar uns cinco, seis dias para recuperarmos forças e ganhar algumas energias e avançar para Quilengues."
José Gavino, de 45 anos de idade, é outro sobrevivente e contou à DW África que recebeu uma comunicação de noite para abandonar a sua casa por estar numa "lista negra".
Na altura, era agente da Polícia Nacional. Foi torturado, juntamente com a sua esposa: "Fui algemado, a minha esposa na altura tinha acabdo de dar a luz e apanhou umas boas coronhadas. Fomos levados de uma forma muito desumana num camião diretamente para o comando provincial da polícia e no dia seguinte fomos levados para Saco-Mar (Namibe), onde estivemos presos durante 30 dias."
Mortes por asfixia
Embora não seja conhecido o número exato de vítimas, calcula-se que o maior número de mortes tenha ocorrido no município do Tombwa. Segundo José Gavino, "fala-se que mais de 200 e tal pessoas foram colocadas num contentor. Muita gente então morreu asfixiada. Eu perdi quatro primos, irmãos, três tios e outros parentes que não tinham nenhuma filiação política, só porque tinham talvez algumas contradições com alguns agentes da polícia, com vizinhos isto lhes levou a vida."
O jornalista José Armando Chicoca, que na altura era editor na Emissora Provincial do Namibe, pertencente ao grupo Rádio Nacional de Angola, lembra que a sua família só sobreviveu graças à intervenção de um vizinho: "Eu era imparcial, era neutro, mas infelizmente pelo facto de ser umbundu, fui também atacado dia 5 de Janeiro de 1993 de madrugada. Introduziram-se no interior da minha casa, queriam fuzilar a minha esposa e os meus filhos."
Massacre tribal?
José Armando Chicoca, que foi depois proibido de entrar na Rádio Namibe, fala num massacre tribal. "Todos os ovimbundus aqui no Namibe foram atingidos e aquilo foi um massacre que podemos dizer que foi tribal, tudo que é umbumdu tinha de ser dizimado, eu conheço alguns juízes foram espancados, alguns padres foram espancados, tenho familiares que morreram nos contentores no Tombwa e foram enterrados numa vala comum, aqui no Namibe. Também tenho familiares que foram assassinadas neste mesmo dia."
Os familiares exigem há muito um enterro condigno das vítimas. José Gavino pede às autoridades que passem certidões de óbito "para que estas pessoas sejam choradas, sejam identificadas num sítio que é ali onde estão os restos mortais destes nossos parentes."
Contactadas pela DW África, as autoridades governamentais da província do Namibe negaram-se a falar sobre o assunto.