Angola: Imprensa não é plural no Kuando Kubango
5 de outubro de 2021O ponto quatro do artigo 17 da Constituição angolana sobre os partidos políticos consagra o direito ao tratamento imparcial por parte da imprensa pública, príncipio que também encontra suporte na lei de imprensa que fala de tratamento igual para todos os partidos políticos.
Mas os cidadãos e políticos no Kuando Kubango denunciam o que consideram ser a violação sistemática da lei e criticam a atuação dos órgãos públicos de comunicação social no tratamento de matérias da oposição.
"Quando se dá 20 minutos ao MPLA também de deve dar 20 minutos à UNITA e a outros partidos concorrentes", considera Cardoso Tchicussungama, cidadão e residente em Menongue.
"A própria comunicação social tem um papel muito importante neste processo na difusão daquilo que realmente tem acontecido ao longo do tempo, porque esta é uma questão de atualidade. Quando não acontece, é um problema sério: o cidadão fica desatualizado da situação e não saberá como será o processo", explica.
"Os órgãos de comunicação social na província neste momento precisam mesmo de ir à rua [ao encontro das comunidades e cidadãos]", sugere.
Falta de isenção e independência
Francisco Gaio Kakoma, secretário provincial da UNITA, maior partido da oposição em Angola, crítica a falta de isenção e independência na cobertura das atividades do seu partido em detrimento do partido no poder, o MPLA.
"Infelizmente a [comunicação social] estatal nunca mostrou que fizesse uma comunicação isenta, plural e para todos. Como estes poderão contribuir para a estabilização do país? Isto retarda significativamente aquilo que deveria ser o seu papel de aconselhar e de ajudar os cidadãos a compreender que estamos num país democrático", comenta.
O também deputado pela bancada parlamentar da UNITA apela à Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA) que fiscalize e tome medidas sem distinção no cumprimento das leis, principalmente em fase eleitoral.
"Espero que a ERCA tome medidas (...). Sejam profissionais", advertiu.
Propaganda ao Governo
Marcolino Chiungue, jornalista da Rádio Ecclesia no Kuando Kubango, afirma que os órgãos de comunicação social públicos têm servido para propagandear a favor da permanência do MPLA no poder.
"Imparcialidade é uma questão que se coloca em época eleitoral. Nós conseguimos ver, pelo menos nas últimas eleições em 2017, que houve um tratamento igual dos partidos políticos, mas agora a imparcialidade no período pós-eleitoral já é uma questão que nós sabemos que não é cumprida", alerta o repórter.
"Os partidos políticos são tratados de forma desigual. A comunicação social angolana também tem várias dificuldades. Padece de muitos problemas, começando pela ERCA e pelo próprio Ministério da Comunicação [Social]", sublinha.
O jornalista entende que os órgãos que cumprem a lei são os meios privados, colocando em risco as vidas dos seus profissionais.
"Os poucos órgãos de comunicação social que incentivam a promoção da imparcialidade são os privados. (...) A lei de imprensa prevê uma coisa, mas quase a maior parte dos órgãos de comunicação social caminham em contramão", conclui Marcolino Chiungue.
Em setembro, o secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas angolano, Teixeira Cândido, reconheceu num evento público em Luanda não haver tratamento imparcial de assuntos diversos e denunciou a promoção absurda do Governo por parte da imprensa. Na altura, o responsável sublinhou que os jornalistas devem recorrer a cláusulas de consciência para não cumprir as chamadas ordens superiores.
A DW África tentou ouvir sem sucesso alguns órgãos de comunicação social públicos na província.