O coronavírus e o perigo do "caos social" em Angola
27 de março de 2020Angola está oficialmente em estado de emergência. Restrições de circulação, possibilidade de confinamento compulsivo, proibição de celebrações de cariz religioso, restrições na realização de reuniões e manifestações e suspensão do direito à greve são algumas das medidas a cumprir no país até às 23:59 de 11 de abril.
A suspensão parcial de direitos, justificada por "uma situação de iminente calamidade pública", preocupa muitos angolanos, que já pensam no impacto social e económico que terá na vida de muitas famílias.
Para o jornalista e produtor Francisco Paulo, o estado de emergência decretado pelo Presidente João Lourenço "é bem-vindo, não obstante as restrições de algumas liberdades que se vão sentir na vida dos angolanos", mas "vai criar consequências e apertar o dia a dia de muitas famílias, principalmente aquelas que vivem em zonas rurais e periféricas e têm na agricultura familiar a sua fonte de rendimento."
Para piorar o cenário, boa parte da juventude está desempregada e "muitos desses jovens dependem de trabalhos liberais (zunga, táxis e outros serviços)", razão pela qual "as liberdades restringidas vão agudizar ainda mais a vida de muitos angolanos", lembra ainda o jornalista.
Musseques e serviços mínimos
O mais preocupante, na opinião do investigador luso-angolano Eugénio Costa Almeida, é "como poderemos ou como conseguiremos levar água potável a uma zona mais preocupante, como são os musseques, autênticos barris de pólvora", até porque alguns, sublinha, são "um amontoado sem critério de casas sem mínimas condições de habitabilidade e saneamento."
Por isso, Francisco Paulo defende que, embora as atenções das autoridades estejam viradas para a contenção da Covid-19, o Estado deve também "garantir que os serviços mínimos - distribuição de alimentos, água, energia, Internet, transportes e saúde - estejam à disposição de muitas famílias que têm no negócio da venda ambulante o seu ganha-pão."
Porque se o Governo não conseguir dar resposta a isto, alerta o jornalista, Angola poderá muito bem ficar à beira do "caos social", visto que "a cada dia que passa o tecido social da juventude se vai degradando."
"Estamos todos desinformados"
Já para o ativista angolano Osvaldo Caholo, o mais preocupante neste momento crítico é a comunicação.
"Desde que atingimos a alegada democracia em Angola, em 1992, é a primeira vez que entramos em estado de emergência. O Governo não está a comunicar com competência. As pessoas não têm conhecimento, a comunicação não foi bem idealizada", diz.
Para o ativista, "é uma grande irresponsabilidade por parte do Executivo tomar decisões como esta do estado de emergência sem preparar as pessoas com antecedência."
"O problema da educação em Angola é conjuntural. Não se pode apontar o pacato cidadão e deixar o polícia de fora", sublinha Caholo, que ficou conhecido por ser o único militar do grupo de ativistas "15+2". "Estamos todos desinformados e isso vai levar a que aqueles que detêm a farda cometam excessos."
O ativista receia também que, nestes tempos de combate ao vírus, certos direitos fundamentais não sejam salvaguardados. "Àquelas pessoas nas periferias, onde a comunicação jamais chegou algum dia, é preciso explicar-lhes numa linguagem clara, fora das tecnicidades do Direito, como estão a fazer alguns juristas", pede Osvaldo Caholo. "Usar uma linguagem gramatical para quem não sabe, só para provar o nosso saber, prova claramente que não sabemos", lembra.
"As pessoas estão a gastar todo o seu dinheiro para comprar comida por causa do estado de emergência. Se tiverem um problema de saúde, como vão ficar?", pergunta ainda o ativista, sublinhando "que se a comunicação não for bem passada pode matar pessoas."
Restrições serão respeitadas?
Para Eugénio Costa Almeida, outro problema que se coloca - que não será tanto a declaração de emergência, "com todas as consequências que sempre acarreta" - é "a forma como os angolanos irão cumprir" as restrições.
"De que servirá a declaração se alguns dos atos necessários para impedir a propagação do vírus não forem cumpridos ou não tiverem hipóteses de serem cumpridos?", pergunta o professor investigador do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa. "Algumas pessoas continuam a não manter uma distância sanitária necessária", destaca, e alguns dos "retornados" ao país também "não cumprem a quarentena obrigatória".
O ativista Osvaldo Caholo lembra que também "não se sabe quais as balizas" [estabelecidas pelo Governo] para que não haja transgressões.
"A perspetiva do estado de emergência que nos querem passar parece estar mais [relacionada] com a não realização de greves ou manifestações. Por exemplo, não sabemos se alguém cansado de estar dentro de casa pode descer o prédio para apanhar um banho de sol, sozinho, sem aglomeração de pessoas, se será alvo da brutalidade que se conhece das autoridades de polícia", sublinha.