Angola: "O que há é perseguição", dispara Abel Chivukuvuku
9 de maio de 2020Em entrevista à agência Lusa, o coordenador da comissão instaladora do projeto político PRA-JÁ Servir Angola, Abel Chivukuvuku, volta a queixar-se de estar a ser "travado" pelo regime após várias tentativas frustradas de legalização do seu novo projeto e afirma que é preciso mostrar que tem os mesmo direitos que os outros cidadãos angolanos.
"Defendo-me aqui e vou lutar aqui por esses direitos", garante o líder do PRA-JA, assegurando que "meter na cadeia, não vão conseguir" porque "o mundo todo vai gritar".
"Chega-se cada vez mais à conclusão de que estamos perante uma estratégia sistemática do regime de tentativa de impedir o cidadão Abel Epalanga Chivukuvuku de participar na vida política nacional", critica, acusando as instituições de estarem a ser "utilizadas pelo regime", em particular o Tribunal Constitucional (TC).
Na semana passada, Chivukuvuku anunciou que vai recorrer ao plenário do Tribunal Constitucional depois de ver indeferido, pela segunda vez, o reconhecimento do PRA-JA Servir Angola.
O despacho, assinado pelo juiz conselheiro presidente do TC, Manuel da Costa Aragão, refere que nas 32.075 fichas de subscrições entregues, só 6.670 estavam conformes, quando eram exigidas, pelo menos, 7.500 assinaturas válidas, e que foram entregues fichas com assinaturas manuscritas sem qualquer correspondência com os Bilhetes de Identidade.
O coordenador-geral da comissão instaladora do PRA-JA contesta a decisão, sublinhando que apresentou, numa primeira fase, assinaturas em número superior ao exigido legalmente, com atestados de residência passados pelos administradores municipais, "todos pertencentes ao MPLA [o partido no poder em Angola há 40 anos], sendo submetidas, numa segunda fase, mais de 8000 assinaturas com certidão notarial para mais de 4.000.
"O tribunal vem dizer que as administrações e os notários não são legais, não são legítimos? Vamos trabalhar como?", questiona, acusando também o TC de ter "orquestrado" a sua demissão de presidente da Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE) e estar agora a tentar inviabilizar o PRA-JA.
"O que há é perseguição" declarou, considerando que esta atitude não contribui para a credibilização de um país que está "em transição para a democracia".
"Querem passar a mensagem de que Angola é um país sério, uma administração funcional e transparente, mas ao mesmo tempo cometem atos que descredibilizam a mensagem", frisou, admitindo que as próprias instituições do Estado, como o ministério da Administração do Território e o ministério da Justiça e Direitos Humanos, podem vir a ser responsabilizadas pelo dinheiro que gastou em atos notarias que não foram considerados válidos.
"Estaremos presentes tanto na luta das autárquicas - onde não é preciso ter partido político, basta ser cidadão - mas também em 2022 estaremos no processo das eleições gerais", garante.
O político não acredita, no entanto, que as eleições autárquicas, as primeiras de sempre em Angola, se venham a concretizar este ano ao contrário do que foi anunciado pelo Presidente da República, João Lourenço.
"Por um lado, não houve vontade para criar as condições mínimas básicas e, por outro lado, com a pandemia mundial, dificilmente", isso poderá acontecer, disse, admitindo que "seria bom não falhar" em 2021.
Família dos Santos
"Há um ditado que diz: 'quem não deve não teme' e a ausência dos atores em determinados parâmetros muitas vezes sustenta a análise de que há responsabilidades", diz o coordenador da comissão instaladora do projeto político PRA-JÁ Servir Angola, em relação às alegações de familiares do ex-chefe do Estado que dizem estar a ser perseguidos pelo Presidente angolano, João Lourenço.
"Teria sido bom se eles estivessem aqui e se defendessem aqui, mostrando que têm razão e não temem. Seria muito bom para o país, porque ao estarem longe as pessoas ficam com a ideia que fugiram", frisa o também antigo presidente da coligação CASA-CE e ex-dirigente da UNITA, o maior partido da oposição angolana.
Abel Chivukuvuku avalia que "infelizmente em África", a política tem "riscos e custos", mas "quem tem razão, quem sabe da sua inocência e é justo, assuma isso" porque "todos nós corremos riscos".
O político sublinha que "gostaria de ver as coisas discutidas aqui [em Angola]", embora admita que a justiça é "excessivamente" partidarizada.
"Tenho noção disso, mas é com a nossa luta que vamos transformar os fenómenos, não é estando ausente disso tudo, é participando, é fazendo face e mostrando ao cidadão: estou aqui", insistiu.
Luta anticorrupção
Questionado sobre a bandeira anticorrupção do Presidente da República João Lourenço e se esta visa alvos seletivos em Angola, como têm vindo a defender vários analistas e setores da sociedade civil e da política, Abel Chivukuvuku apela à firmeza e ao pragmatismo.
"Todos sabemos que a corrupção, os desvios, foram quase uma questão cultural generalizada e institucionalizada e se houver vontade de fazer uma verdadeira luta contra isso, a máquina do Estado acaba. Terá de haver nova gente", sugere.
Escusando-se a comentar a prestação do Presidente que "será avaliada pelos angolanos em 2022", ano de eleições gerais, disse ser "um facto que, em 2018, o país estava apaixonado pelo cidadão João Lourenço, porque se revia na luta contra o abuso de poder e o saque generalizado e institucionalizado", mas duvida que a paixão se mantenha.
"Tenho dúvidas se hoje o país ainda tem essa paixão", destaca.
"Acho que os cidadãos têm razão em questionar [se a luta anticorrupção é seletiva] e as pessoas de bem têm razão em tentar ajudar o Presidente da República", sublinha, apontando, no entanto, o caráter "sistémico" da corrupção que implicaria uma combinação de firmeza e pragmatismo.
"Se significar seletividade, já não é legal nem legítima", conclui.