Angola: Plataforma 27 de Maio pede provas dos testes de ADN
28 de março de 2024As associações M27 (órfãos), Grupo de Sobreviventes do 27 de Maio de 1977 e Associação 27 de Maio (sobreviventes e familiares das vítimas), que integram a Plataforma 27 de Maio, alertam, em comunicado, para o facto de não estarem a ser seguidos os procedimentos internacionalmente aceites para a identificação dos restos mortais, na sequência de uma reportagem divulgada na Televisão Popular de Angola (TPA).
Exibida no passado sábado, a reportagem dá conta da descoberta de três valas comuns no Huambo, que poderão conter corpos de 90 vítimas, identificando alguns nomes de figuras ligadas ao MPLA, partido no poder desde a independência de Angola, em 1975).
A reportagem aponta também os esforços da Comissão angolana para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (Civicop) e do executivo angolano na busca das ossadas, sem aludir aos supostos executores.
Em 27 de maio de 1977, uma alegada tentativa de golpe de Estado, aparentemente liderada por Nito Alves - ministro da Administração Interna desde a independência (11 de novembro de 1975) até outubro de 1976 - foi violentamente reprimida por ordem do Presidente angolano, Agostinho Neto, resultando na execução de milhares de pessoas.
A Plataforma 27 de Maio sublinha que Angola não dispõe da tecnologia de "ADN em ossos" que permita efetuar a correspondência com material genético fornecido pelos familiares e critica que as famílias estejam "apartadas do processo", contrariando as normas institucionais sobre a matéria.
O comunicado realça que, anteriormente, a Civicop aceitou a colaboração de uma equipa dirigida pelo especialista forense português Duarte Nuno Vieira, que concluiu que as ossadas supostamente pertencentes a José Van Dunem, Sita Valles, Rui Coelho e outros dirigentes não tinham qualquer ligação aos mesmos, levando os familiares a denunciar a entrega dos restos mortais como "um exercício de crueldade".
Críticas à "propaganda da Civicop"
A Civicop, acusam, "mantém a opção pelo faz de conta, embuste e propaganda, sendo lamentável a participação de governadores, autoridades tradicionais e outros, bem como o desrespeito pelos sentimentos das famílias das vítimas do Huambo, a quem não foi prestada informação prévia".
A Plataforma 27 de Maio denunciou a "campanha de propaganda da Civicop" e apelou à "implementação de procedimentos aceites internacionalmente, bem como à criação de uma genuína Comissão da Verdade, que contribua para uma efetiva Reconciliação Nacional".
Solicitou ainda a apresentação pública dos certificados dos testes de "ADN em ossos" e a colaboração de especialistas independentes e internacionais ja que Angola não dispõe da tecnologia de extração de "ADN em ossos" que permita identificar os corpos.
A Civicop foi também acusada de violar os princípios que estiveram na sua origem pela UNITA - principal partido da oposição angolana que travou uma guerra de quase três décadas contra as forças governamentais -- que se desvinculou desta entidade em dezembro do ano passado, na sequência de reportagens exibidas pela TPA que mostravam escavações de sepulturas na Jamba, antigo território da UNITA.
O que aconteceu a 27 de maio de 1977?
No período de dois anos que se sucedeu ao alegado golpe de Estado de 27 de maio de 1977, conhecido como "fracionismo" e que muitos descrevem como uma luta interna entre fações do MPLA ("nitistas", apoiantes de Nito Alves, e "netistas", de Agostinho Neto) milhares de pessoas foram presas, torturadas e mortas.
Seis dias antes, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MLPA) expulsara Nito Alves do partido, levando o antigo ministro e vários apoiantes a invadirem a prisão de Luanda para libertar outros simpatizantes, assumindo paralelamente o controlo da estação da rádio nacional.
As tropas leais a Agostinho Neto, com apoio de militares cubanos, acabaram por restabelecer a ordem e prenderam os revoltosos, seguindo-se o que ficou conhecido como uma "purga", que visava a eliminação de uma das fações, tendo sido mortas cerca de 30 mil pessoas, segundo a Amnistia Internacional, na maior parte sem qualquer ligação a Nito Alves,
Em 2019, o Presidente angolano, João Lourenço, criou a Civicop, encarregada do plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos, que ocorreram em Angola entre 11 de novembro de 1975 e 04 de abril de 2022, e dois anos depois pediu desculpas às famílias, em nome do Estado angolano.