Angola: Porque não se faz um inquérito à gestão da Sonangol?
23 de setembro de 2020Continua a crescer a lista de nomes de pessoas que passaram pela Sonangol e que são associados a atos de corrupção. Os mais apontados são os do engenheiro Manuel Vicente e da empresária Isabel dos Santos, filha do antigo Presidente José Eduardo dos Santos. Recentemente surgiu mais um nome: Carlos São Vicente, detido na terça-feira (22.09) por suspeitas de desvio de dinheiro da petrolífera.
O maior partido da oposição em Angola, a UNITA, reivindica há muito a criação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) à empresa angolana.
"Nós vamos continuar a insistir que, paralelamente às investigações que a PGR venha conduzindo, dado o interesse público que esta questão implica, se abra também uma CPI. Isso é fundamental para se esclarecer, de facto, a grandeza e magnitude dos desvios", defende Maurílio Luiele, primeiro vice-presidente da bancada parlamentar do principal partido da oposição em Angola.
Vários pedidos de auditoria
Carlos Saturnino, ex-presidente da Sonangol, ordenou em março de 2018 uma auditoria à gestão de Isabel dos Santos devido a transferências monetárias alegadamente irregulares durante a sua administração. Contudo, a empresária defendeu também numa entrevista à rádio local MFM a realização de um inquérito à petrolífera.
Lindo Bernardo Tito, deputado independente, diz que um inquérito parlamentar à petrolífera permitiria esclarecer os sucessivos escândalos que se registam no país. "Seria um inquérito de natureza imparcial, pois a comissão parlamentar é integrada pelas representações político-partidárias com assento no Parlamento. Sendo uma comissão multipartidária, é óbvio que o primado da imparcialidade será manifestado em toda a sua atividade", comenta.
Para o jurista, a comissão pode por fim às suspeições que recaem sobre todos os gestores públicos que passaram pela Sonangol e que supostamente enriqueceram ilicitamente. "Desde há algumas décadas atrás, a gestão da Sonangol tem sido colocada em causa. Durante muito tempo, a Sonangol passou a ser a principal fonte usada por vários dignitários do regime de então para acumulação primitiva de capital", resume.
Sonangol, o epicentro da corrupção
Maurílio Luiele não tem dúvidas: "A Sonangol é indubitavelmente o epicentro da corrupção". Mas por que motivo não se audita a petrolífera? "Não há interesse por parte do MPLA que isso tudo se esclareça, [porque] isso iria ter repercussões inimagináveis no seio do partido maioritário", responde Maurílio Luiele.
"Todo o mundo tem medo. Mas se efetivamente quisermos levar adiante esse combate à corrupção, não há como não fazer uma investigação isenta e profunda à Sonangol", afirma o deputado.
O jornalista angolano Alexandre Neto Solombe lembra que esta não seria a primeira CPI a ser criada pela Assembleia Nacional. "Estou recordado, por exemplo, da que se ocupou de apurar quem eram os responsáveis pela demolição do palácio Dona Ana Joaquina", exemplifica. "A pressão [gerada] resultou na construção de uma réplica", lembra.
Alexandre Neto Solombe entende que, mais do que um inquérito, é necessário que todos os implicados sejam responsabilizados. "As pessoas continuam impunes", critica. Para este jornalista, é preciso uma "reforma do Estado para que os órgãos funcionem independentemente da vontade político-partidária".