Terceiro mandato de João Lourenço alteraria "ordem social"
13 de maio de 2023Em entrevista recente à rede de televisão francesa France 24, o Presidente angolano João Lourenço remeteu para 2027 qualquer decisão sobre um eventual terceiro mandato.
A resposta do chefe de Estado reacendeu o debate em Angola e a UNITA, principal partido da oposição, já alertou para a possibilidade de "um golpe constitucional".
Em entrevista à DW, o jurista angolano Agostinho Canando sublinha que um terceiro mandato implicaria a "alteração da ordem social e constitucional".
No entanto, Canando considera que "o Presidente João Lourenço o seu partido têm quase tudo na mão para que ele venha a concorrer a um terceiro mandato".
DW África: Que leitura faz da recente resposta de João Lourenço quando questionado sobre a eventualidade de um terceiro mandato?
Agostinho Canando (AC): Ele respondeu de forma quase que lacônica, a dizer que ainda é prematuro falar de um terceiro mandato. Mas com essa resposta, deu vazão a alguma possibilidade de ele vir a concorrer para um terceiro mandato, o que já seria um descalabro para a política a nível nacional.
Por enquanto, a nossa Constituição prevê apenas dois mandatos de cinco anos cada. O que quer dizer que, se por acaso, daqui até 2026, se abrir essa possibilidade de vir a concorrer a um terceiro mandato, poderá gerar não só debates, mas, sobretudo, a alteração da ordem social e constitucional, porque muitas vozes estão contra um possível terceiro mandato. Até porque sabemos que a República de Angola é uma república que existe apenas desde 1975.
Então, Angola precisa mesmo de crescer com novos cérebros, novas pessoas e não necessariamente ficarmos 10, 15, 30 anos com a mesma pessoa. Já está um pouco ultrapassada essa ideia de ter que se perpetuar no poder.
DW África: E uma revisão constitucional seria possível até 2027?
AC: Implicaria uma revisão constitucional por conta do artigo 237 da Constituição da República de Angola, que nos diz que temos o poder na revisão constitucional no mínimo de cinco em cinco anos, e com a revisão pontual que já foi feita em 2021, quer dizer que deverá se passar no mínimo cinco anos, isto é, 2026, para fazer a alteração da Constituição a seu favor.
Então, se essa revisão constitucional for feita a partir ou no ano de 2026, faltaria um ano para as eleições, o que reacenderia ainda mais a possibilidade de vir a dar um descalabro a nível social e constitucional.
DW África: Entretanto, perante o debate que se gerou, a UNITA já deixou claro que o Presidente não conta com o partido para aquilo que consideram ser um assalto à Constituição…
AC: Digamos que ele já tem a boleia do partido que governa, porque estão em maioria. E quer a UNITA queira quer não, de qualquer das formas, a não ser que a UNITA tome as devidas providências, o que o partido não poder decidir vai ser feito, infelizmente, porque tem maioria no Parlamento. De qualquer das formas, em princípio, o Presidente João Lourenço o seu partido têm quase tudo na mão para que ele venha a concorrer a um terceiro mandato.
DW África: Acredita que João Lourenço teria apoio do MPLA lá para um terceiro mandato?
AC: Em princípio, sim. Também por conta daquela bicefalia que foi existindo já há algum tempo entre as duas alas que na verdade dizem que não existem entre Ala Lourenço e Ala Santos. Claro que um partido tem uma disciplina partidária, tem um estatuto por cumprir.
De qualquer das formas, há uma necessidade de abranger a todo o mundo. E se o Estatuto diz que, por exemplo, tudo o que os indivíduos de lá dentro do partido fizerem deve ser em prol do partido, possivelmente poderá contar com o apoio do primeiro, por ser ele o número um do partido, e depois por conta daquilo que são os interesses do partido.
DW África: Um terceiro mandato poderia ser prejudicial para a imagem de João Lourenço, por exemplo, internacionalmente, tendo já Angola o historial de um presidente que ficou mais de 30 anos no poder?
AC: Quer queiramos quer não, a comunidade internacional tem acompanhado os destinos de vários países africanos, europeus e não só. E quando se trata, por exemplo, de Angola, já se sabe que os problemas são sempre esses de impunidade e de perpetuação no poder, nos cargos. Isso se falarmos, por exemplo, a nível municipal, provincial, distrital, que temos sempre a mesma situação. Então a imagem que será deturpada não será apenas do Presidente, mas também do país a nível da comunidade internacional.