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Angola: Viaturas de luxo silenciam conselheiros?

António Cascais
1 de março de 2023

Viaturas de luxo para os membros do Conselho da República será algo ilegal ou imoral num país como Angola? A DW questionou um polémico conselheiro, Carlos Cunha, que optou pelo silêncio: "Não comento".

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Äthiopien | African Union Gipfel in Addis Ababa | Joao Lourenco
Foto: Amanuel Sileshi/AFP/Getty Images

Em Angola, a atribuição de viaturas de luxo, no valor de 200 mil dólares (187 mil euros) cada, aos 44 membros do Conselho Económico e Social (CES) continua a gerar polémica. A atribuição será ilegal ou imoral num país com elevados índices de pobreza entre a população, como Angola? É essa a questão que se coloca em órgãos de comunicação críticos ao Governo de João Lourenço e sobretudo nas redes sociais. Surgiram ainda dúvidas sobre se a compra dos carros todo o terreno foi acompanhada de corrupção.

A DW interpelou dois dos conselheiros, mas um recusou-se a comentar o assunto. É o caso do antigo coordenador da área empresarial do Conselho Económico e Social, o empresário Carlos Cunha, que em 2019 foi condenado pela Justiça portuguesa a pagar 1.800.000 euros por incumprimento de contrato com o empresário do cantor espanhol Placido Domingo. Contactado pela DW, o conselheiro recusou comentar esse caso ainda pendente e rejeitou também falar sobre a polémica em torno da atribuição dos carros de luxo.

"Já não sou coordenador da área empresarial, hoje sou apenas um membro do Conselho", disse. A nossa equipa insistiu, perguntando se aceita ou não a viatura. A resposta foi: "Não, não vou fazer qualquer comentário. Não faço qualquer comentário", deixou claro.

Outro conselheiro contactado foi o coordenador do Conselho Económico e Social, José Otávio Serra Van-Dúnem, que tem uma opinião diferente, tendo considerado justa a atribuição de viaturas aos seus 44 membros, à semelhança do que acontece com outros conselheiros do Presidente da República, sendo a aceitação da regalia uma "decisão pessoal".

Por outras palavras, a oferta desta benesse pode ser declinada, segundo Serra Van-Dúnem, quando questionado pela agência Lusa sobre esta polémica. 

Até agora soube-se apenas de um membro do Conselho Económico e Social que terá prescindido da viatura atribuida pelo Estado angolano. Trata-se do presidente da Associação Industrial de Angola (AIA), José Severino, que disse à LUSA não precisar do carro de luxo porque "tem viatura própria".

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Polémicas

A atribuição de carros de luxo, que está a gerar polémica nos meios de comunicação angolanos e nas redes sociais, consta de um decreto presidencial de 6 de fevereiro, que estabelece um novo regulamento do Conselho Económico e Social. Com o decreto, o Presidente da República pode atribuir regalias aos membros do CES que sejam "compatíveis com a função", embora os membros do Conselho Económico e Social continuem a não ser remunerados.

O Conselho Económico e Social é um órgão de consulta do Presidente da República de Angola para questões económicas, criado por João Lourenço, do qual fazem parte 44 empresários e outros membros da sociedade civil, que - em princípio - não têm direito a remuneração. A ideia inicial era que os membros deste órgão deveriam ser independentes do poder político, não recebendo benesses do mesmo poder. Mas não é isso que acontece na prática, como refere o jornalista e fundador do portal independente de notícias Club-k, José Gama.

"Recentemente a população teve a surpresa de ouvir que foram encomendadas viaturas, avaliadas em 200mil dólares cada uma, para oferecer a estes membros. Acontece que as pessoas notam que há uma contradição, pela natureza deste órgão e para o que foi criado, que é para ajudar o Presidente na articulação de políticas sociais, políticas económicas e empresariais; e essas políticas, em princípio deveriam apontar para uma redução de custos. Mas, por outro lado estamos a ver aqui os membros do conselho a serem brindados com presentes, suspeitando-se que os preços provavelmente estejam empolados, porque uma viatura destas, que foram oferecidas, no mercado angolano provavelmente devem custar menos."

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Tirar dividendos

Já há duas semanas, o diretor-executivo da organização Friends of Angola, Florindo Chivucute, afirmara, que as viaturas todo o terreno de luxo, de marca Toyota, não têm o valor atribuido oficialmente, segundo investigações efetuadas pela própria ONG.

"Posso desde já adiantar que esses carros não custam 200mil dólares; eles custam não mais de 100mil dólares..."

O jornalista José Gama diz que há suspeitas de que pode ter havido alguém no gabinete do Presidente da República que fez essa proposta para colher algum dividendo desse brinde feito pela Presidência de Angola aos 44 conselheiros.

"Como é sabido, há essa cultura em Angola de se fazerem as compras em nome do Estado e depois se empolarem ou alterarem os preços para valores mais altos, o que serve para depois, por detrás, o operador púbico que estiver envolvido neste processo, receber comissão. Há, portanto, esta suspeita."

A Presidência da República de Angola não comenta a polémica. O jornalista José Gama recorda que, segundo a lei em vigor, os membros do Conselho Económico e Social não podem ser remunerados, admitindo que - de facto - não tenham recebido dinheiro ou salários...

"...mas este brinde que acabam de receber também pode pôr em causa a isenção deles. Trata-se de pessoas que não precisam necessariamente de ser membros do partido no poder, são pessoas independentes. Então, eles serem brindados com estes carros, é capaz de os colocar numa situação de comprometimento face ao Governo angolano."

E a moral?

Para Florindo Chivucute, diretor-executivo da organização Friends of Angola, trata-se de uma questão de decência e moral. Num país com altos índices de pobreza, em que "crianças, jovens e adultos andam no lixo à procura de algo para comer", não faz sentido comprar carros de luxo para oferecer a conselheiros do Presidente, disse o ativista em entrevista à DW.

"Eu penso que qualquer ser humano com um certo compasso moral iria aceitar este tipo de benefícios com peso de consciência num país onde todos os dias morrem angolanos e angolanas à fome..."

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