Angola, votar em que futuro?
23 de agosto de 2022Angola escolhe amanhã um novo Presidente da República e os próximos deputados na Assembleia Nacional. Filipe Mário, Jesus Joaquim, Ngongo Mbaxi, Gomes Kiano e Wilton Pontaria são cinco jovens angolanos empreendedores, preocupados com o futuro da Nação, e que, por essa razão, vão votar nas eleições. A DW África falou com eles.
O desemprego é um dos principais desafios que os jovens enfrentam em Angola, afetando mais mulheres que homens. Ao todo, a taxa de desemprego ronda os 30,2%, mas, na faixa etária entre os 15 e os 24 anos, chega aos 56,7%. Com a falta de oportunidades no mercado de trabalho, muitos recorrem ao autoemprego como "ganha-pão".
O empreendedor Filipe Mário tem dado formação a jovens angolanas na área da pastelaria, para que elas também possam criar os seus próprios negócios.
Depois destas eleições, Mário pede um "governo de continuidade", seja quem for o vencedor.
O desenvolvimento de Angola deve ser feito sem interrupções, segundo o jovem. "Se um Governo está a governar há quatro anos, provavelmente tem projetos em andamento ou em fase de conclusão. Mas quando um novo Governo vem, elimina todos os anteriores e quer começar do zero. Se eliminar tudo e começar do zero, nos próximos quatro anos não fará nada".
Arregaçar as mangas, pelo futuro
Jesus Joaquim, de 41 anos, trocou o interior do país pela capital, em busca de melhores condições de vida. Abriu a sua própria empresa de marcenaria, onde ensina a profissão e inspira muitos outros jovens.
"Dadas as circunstâncias que o país enfrenta, há a necessidade, enquanto jovem, de fazer alguma coisa. Como jovem, as dificuldades que nós temos estão focadas no lado financeiro, porque o projeto pretende empregar mais jovens, garantir um bom futuro para eles."
O marceneiro ambiciona uma Angola onde a satisfação das necessidades básicas seja assegurada e onde sejam criados mais postos de emprego.
"Espero que, daqui a cinco anos, não falemos mais de fome, nem de falta de saneamento. E espero que não se fale mais da falta de emprego. Daqui a cinco anos, eu quero melhorias mesmo."
O economista Manuel Alves da Rocha alerta, no entanto, que "a sustentabilidade das iniciativas dos jovens carece de apoios diversos, em especial ao crédito". Segundo o economista, "o desemprego tem resolução a longo prazo e tem os seus principais desafios no crescimento económico e na mudança dos padrões tecnológicos e na educação."
Ngongo Mbaxi queixa-se precisamente da falta de financiamento para concretizar o seu sonho. O jovem angolano é professor, mas há dois anos largou a profissão para se dedicar à criação de animais. Ambiciona expandir o seu negócio, mas não o tem conseguido fazer. É um sonho que poderia dar emprego a muitos jovens.
"Sonho com um Governo que olhe para os jovens como eu e que potencialize a criação de mais emprego para o desenvolvimento de oportunidades para outros jovens. [Sonho com] uma Angola mais próspera, mais sólida e sobretudo, uma Angola igual para todos."
Falta de investimento na cultura
O jovem Gomes Kiano utiliza o hip-hop para transmitir a sua mensagem ao Governo: "Neste exato momento, somos os patrões destes governantes", afirma.
O artista criou uma liga de rompimento "freestyle", em que procura revelar talentos de rua, e exige a criação de mais espaços culturais.
"Com este movimento, somos um parceiro do Estado e ajudamos o Estado a solucionar um problema social. Estes rapazes poderiam estar na rua, nas drogas, a fazer qualquer coisa. Mas eles estão ocupados aqui. Então, esperamos que o Estado e a cultura olhem para nós. Não precisamos de apoios financeiros, mas de espaços culturais para trabalhar e ajudar o Estado. Nós, da organização, temos de tirar dos nossos bolsos para fazer acontecer o projeto."
Acesso à educação
O acesso à educação é outro problema com que os jovens angolanos se deparam, quer seja pela carência de escolas ou infraestruturas para aceder aos estabelecimentos de ensino, quer seja por dificuldades económicas que impedem, por exemplo, a entrada no Ensino Superior. Isto porque as universidades públicas de Angola cobram, desde 2021, propinas aos estudantes.
Wilton Pontaria, jovem angolano, dedica parte do seu tempo a ensinar voluntariamente. Com os seus próprios meios, ergueu uma estrutura onde ensina mais de 500 crianças. A estrutura localiza-se no Bairro Pingo Doce, onde faltam escolas e vias de acesso rápido.
"Para o futuro de Angola, queremos escolher o melhor Presidente ou aquele que poderá corresponder com as necessidades de todos os angolanos - necessidades básicas como energia, transportes e outros. Espero que esta Angola seja melhor, que seja uma Angola de oportunidades para os angolanos."
Energia e ambiente
O ambientalista José Silva defende que, para uma Angola "com futuro", é necessário também investir fortemente na proteção do meio ambiente. "Numa altura em que se fala de transição energética, é preciso começar a pensar numa cultura de poupança, de conservar o ambiente."
Vladimir Russo, também ambientalista, explica que o "melhor método para alertar a população para a importância de práticas sustentáveis é através da educação ambiental". Deste modo, afirma que "devem ser desenvolvidos trabalhos entre escolas, para estimular a criatividade e a investigação, e responder aos problemas ambientais locais".
Questionado sobre a possibilidade de um maior investimento do Governo nesta área poder gerar mais emprego, Russo refere que "essa é uma realidade".
"Na componente energética, há a necessidade [de criar postos de trabalho] na construção/instalação, mas também na fase de operação e manutenção de barragens, linhas de transmissão, parques solares, entre outros. Na área ambiental já existem várias iniciativas lideradas por jovens que geram emprego e que devem ser apoiadas, por exemplo na criação de viveiros e na gestão local de resíduos sólidos, principalmente na recolha, triagem e alguma reutilização."
As barragens hidroelétricas produzem grande parte da energia de Angola, pelo que Vladimir Russo considera essencial que se continue a investir para "uma Angola mais sustentável".
José Silva refere que os benefícios da produção de energia de fontes renováveis são inúmeros.
"Pode potenciar a dinamização económica a nível local - pequenos negócios que necessitam de refrigeração -, energia para aparelhos elétricos que permitem, por exemplo, o acesso à Internet e a redução de custos associados ao uso do carvão, para que, no futuro, seja possível reduzir o consumo de lenha e carvão, diminuindo o corte da vegetação."
Porquê votar?
O jovem Filipe Mário quer ver mudanças em Angola e por isso vai votar a 24 de agosto.
"Eu vou votar naquele que me convencer que tem o melhor plano para o futuro de Angola. Porque, quando confiamos as responsabilidades a alguém, ele deve primeiro mostrar-nos porque é que devemos confiar nele, e depois com aquilo que nos for dito, analisarmos se vale a pena confiar. Tem de saber que vai gerir algo que é público e não vender o país."
Jesus Joaquim diz que vai votar porque quer melhorias. "Quero que a pessoa que me vai governar daqui a cinco anos pense efetivamente que tem um jovem no município de Luanda, no distrito do Sambizanga, que tem empreendimento e precisa de fazer crescer este empreendimento para gerar postos de trabalho."
Ngongo Mbaxi diz que vai votar para ter uma Angola cada vez melhor e acredita que isso só é possível com um Governo legitimado, eleito pelos cidadãos. "O meu voto vai significar desenvolvimento. Significa continuar a apostar nestas questões, especialmente no compromisso que tenho para com a Nação."
Gomes Kiano lembra que votar é fundamental para definir o futuro. "Através do meu voto, e através do voto de cada jovem que está aqui, será decidido o futuro da Nação."
Wilton Pontaria participa nas eleições, "em primeiro lugar, por ser angolano, e sobretudo por querer o melhor para o país."
Mais de 14 milhões de angolanos, incluindo residentes no estrangeiro, estão registados para votar nas eleições gerais de 24 de agosto. Estas serão as quintas eleições na história de Angola.