Jovens futebolistas africanos abandonados na Europa
9 de abril de 2018Seraphin Fodjo é frequentemente visto fora das quatro linhas num campo de futebol degradado em "La Roue", na região de Anderlecht, na Bélgica. Fodjo é dos Camarões e treina jovens jogadores que vieram para a Europa atrás de um sonho e acabaram por ali. "A maioria vem dos Camarões, Costa do Marfim e Burkina Faso", conta.
As histórias deles são parecidas: "Impostores que se fazem passar por agentes desportivos, que nada sabem sobre desporto, encontram-se com as famílias e prometem que o filho tem um contrato à espera na Europa", diz Fodjo. E "os pais fazem o impossível para arranjar dinheiro para o filho realizar o sonho que foi transmitido pelo agente."
De forma a tornar o esquema ainda mais credível, alguns "agentes" incluem parceiros europeus na equação. Tratam do passaporte e de todos os documentos necessários para a viagem. Algumas famílias chegam a a pagar €10.000 por este serviço.
Sem passaporte, comida ou ajuda
Os jovens rumam à Europa com muitas expetativas, mas depois acabam por ser deixados no hotel, acrescenta Fodjo. "Ele [o agente] diz que vai voltar em breve, mas nunca volta. Os jovens ficam sozinhos, sem passaporte e eventualmente são expulsos do hotel."
Muitos acabam por ir ter com Fodjo, onde continuam a treinar. São apanhados entre a esperança de se tornarem numa estrela e o medo de serem apanhados e deportados. Regressar de forma voluntária seria aceitar o falhanço - não é uma opção quando as suas famílias investiram tanto dinheiro no seu futuro.
Aloys Nong, um futebolista camaronês passou por uma situação parecida. Um dito agente "descobriu-o" e convenceu-o a viajar para a Europa e seguir uma carreira profissional. "Fiz um teste numa academia do Nice [clube francês]. O diretor desportivo queria-me, mas o agente pediu muito dinheiro. O Nice não estava em posição de investir tanto em mim." O negócio não se concretizou.
Nong e mais oito rapazes dormiam na sala da casa de uma família. Não podiam estar no apartamento durante o dia. "Chegámos em janeiro e estava frio. Não trazíamos muita roupa, porque disseram aos nossos pais para não comprarem nada, que tudo nos seria dado na chegada à Europa. Mas no final não tivemos nada de nada."
Nong conta também que muitas vezes tinham fome. "Íamos para um supermercado e comíamos lá. O guarda fazia vista grossa desde que não levássemos nada para fora da loja."
Um ano mais tarde, Nong e os rapazes foram expulsos do apartamento. Nong conseguiu ficar em França com familiares e continuar o treino. Por fim, assinou um contrato com um clube belga. Atualmente, joga no Irão.
Como mercadoria
A história de Aloys Nong não é a de muitos dos jovens jogadores. "Quem consegue, pode ganhar muito dinheiro", diz Cristophe Gleizes, jornalista francês autor do livro "A escravatura moderna de futebolistas africanos". Um futebolista africano pode ganhar entre 500 ou 1000 vezes mais num clube europeu do que a jogar em África.
"Já ouvi muitos pais dizerem que ter um futebolista é como ter um poço de petróleo". Diz Gleizes que, com o seu colega Barthelemy Gaillard, viajou pela África Ocidental durante nove meses para investigar estes casos. "Os jogadores africanos são vistos como mercadoria, como se fossem de um quilo de algodão ou de cacau."
Outro problema é que os jogadores entram neste sistema voluntariamente porque seguem cegamente o conselho dos seus agentes. Arriscam muito, se for preciso até falsificam documentos por causa da idade. Um rapaz de 15 anos tem mais hipóteses que alguém com dezoito.
Clubes europeus tiram partido da situação
Os ditos agentes não são os únicos a tirar lucro da situação - os clubes europeus também ganham. O internacional congolês Junior Kabananga começou a sua carreira europeia no Anderlecht, atual campeão belga. O clube estava interessado no ponta de lança mas queriam evitar pagar a compensação ao clube de origem no Congo, o FC MK Etancheite, pela formação do jogador, como deveriam fazer de acordo com os estatutos da FIFA.
"Estamos a falar do melhor marcador da Taça das Nações Africanas!", diz Gleizes. "Se o Anderlecht quisesse um jogador do Bruges, pagaria uma taxa. Se o Paris Saint-Germain contratar o Kylian Mbappé, o clube vai pagar uma taxa pela sua formação ao primeiro clube dele, o FC Bondy [de França]. Mas quando se fala de clubes africanos, os clubes europeus recusam-se a pagar."
Gleizes explica que a tática é sempre a mesma: "Ou esperam até o clube de origem desistir de prosseguir com o caso a nível legal ou pagam ao seu diretor por baixo da mesa de forma a fechar o contrato."
Apostar na prevenção
Sophie Jekeler é uma advogada de Bruxelas que conhece de perto o destino dos jovens futebolistas vindos de África. É também a fundadora e diretora da Fundação Samilia, que luta contra o tráfico humano. Explica que, mesmo quando há leis que protegem as vítimas, é muito complicado aplicá-las na realidade.
"A maior parte entra na União Europeia pela Eslováquia, Hungria ou Grécia. Quando chegam à Bélgica, já não há nada que possa ser feito. Teriam de voltar ao primeiro país europeu por onde passaram para tratar de todas as formalidades e isso não é possível para eles", diz Jekeler.
Por isso, os seus esforços focam-se na prevenção, mas não é fácil. "Eles compreendem a mensagem que queremos passar, mas o sonho é mais forte do que tudo. Se, ao menos, um em cada vinte percebesse o que dizemos, já seria uma pessoa salva."
É difícil para estes jovens jogadores perceberem também que um jogador profissional como Aloys Nong fale sobre isto e se revolte contra este sistema que os traz para a Europa. Afinal, como é que alguém que foi bem sucedido tenta evitar que eles partam nessa mesma aventura?