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Argélia: Eleições rejeitadas em nome da democracia

Tom Allinson | ck
10 de dezembro de 2019

Argélia vai a votos na quinta-feira. O movimento de protesto Hirak rejeita todo o sistema político do país, que considera corrupto. E diz que não há como organizar eleições presidenciais sem antes proceder a reformas.

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Foto: picture-alliance/B. Bensalem

O movimento de protesto Hirak acusa o atual regime de se esconder atrás de uma eleição presidencial para impedir uma verdadeira reforma democrática e proteger um sistema corrupto. O Hirak esteve na origem da queda do antigo Presidente Abdelaziz Bouteflika, que, após um derrame cerebral sofrido em 2013, já só governava no papel.  Na sequência, muitos ministros foram presos por corrupção.

Mas quando o governo provisório do Presidente Abdelkader Bensaleh e dos seus aliados militares aprovou cinco candidatos às presidenciais marcadas para 12 de dezembro, todos ligados ao regime de Bouteflika, o Hirak acusou o executivo de perpetuar a corrupção e injustiça. Os manifestantes consideram que o sistema vigente de clientelismo que envolve políticos, militares e homens de negócios tem que ser urgentemente reformado.

Risco de confrontos

O movimento caracteriza-se pelo seu firme compromisso com a paz. Mas, nas últimas semanas, foram presos muitos líderes de protestos e jornalistas independentes. A organização não-governamental Human Rights Watch (HRW) salienta que muitos dos ativistas detidos são acusados de crimes extremamente vagos como "prejudicar a unidade nacional” ou "minar a moral do exército".

Também o aumento das manifestações pró-governamentais preocupa os analistas. Para muitos cresce assim o risco de confrontos violentos. Segundo o pesquisador Luca Miehe, do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança, as detenções galvanizaram o movimento. "A repressão contra a imprensa endureceu e o número de presos políticos cresce", disse Miehe à DW. "Penso que podemos contar com mais confrontos pelo lado do regime. Mas, por enquanto, parece-me que o Hirak permanece não violento."

Algerien Proteste
Os argelinos saem regularmente à rua para protestar contra as eleiçõesFoto: Getty Images/AFP/R. Kramdi

O movimento reagiu colocando sacos de lixo e fotos de figuras da oposição detidas em lugares reservados a cartazes eleitorais.

Campanha não passa de "paródia"

Alguns dos cinco candidatos que concorrem à presidência afirmam querer proceder a reformas. Mas todos estão manchados pela associação com o poder estabelecido. O antigo primeiro-ministro Abdelmadjid Tebboune teve de cancelar a sua primeira manifestação em Argel devido à baixa afluência. O seu diretor de campanha demitiu-se e um dos seus maiores financiadores foi detido, acusado de corrupção.

Argélia: Eleições rejeitadas em nome da democracia

Ouro ex-primeiro-ministro, Ali Benflis, foi recebido com tumultos e vaias. O mesmo aconteceu ao ex-Ministro do Turismo, Abdelkader Bengrine.

"Isto foi uma paródia de uma campanha. Os comícios destes candidatos tiveram lugar debaixo de forte proteção policial", diz Hamdi Baala, um jornalista independente. "Em todas as cidades ou vilas por onde estes candidatos passaram foram detidos vários manifestantes que se dirigiram aos comícios para protestar contra a campanha e a eleição de um modo geral”.

Na Argélia surge assim uma situação muito estranha de eleições que estão a ser rejeitadas em nome da democracia.

Fraude eleitoral anunciada

Baala disse que não é apenas a desconfiança dos candidatos, mas também o receio de uma votação inquinada, que levam cada vez mais argelinos a rejeitar as eleições. Por seu lado, os membros do movimento recusam-se a fazer campanha por medo e para não legitimarem o processo.

"Temos uma péssima imitação de democracia. Há muito tempo que há um parlamento e eleições regulares. Mas é tudo manipulado e controlado", disse Baala. "Não há transparência. Não há garantia de eleições livres e justas".

Ao invés de eleições, os manifestantes têm defendido consistentemente "a instalação de uma verdadeira democracia, um verdadeiro estado de direito", explicou Baala.

Nada mudou

Para além da demissão de Bouteflika e de ter conseguido adiar as eleições no início deste ano, o movimento tem tido outros sucessos, incluindo um "mega julgamento" que envolve sete políticos e quatro empresários acusados de corrupção e apropriação indevida de fundos públicos. Mas os argelinos estão céticos quanto ao desfecho do julgamento, já por várias vezes adiado.

Luca Miehe diz que os argelinos sentem que a mudança fundamental que querem não está a acontecer. Ao mesmo tempo, reconhecem que há uma estratégia do atual regime de tentar aliciar os membros do movimento encenando julgamentos e prendendo pessoas que já eram bastante impopulares à partida.

Algerien pro-Regierungsprotest in Algiers
O crescente número de manifestações pró-governamentais preocupa os observadoresFoto: Reuters/R. Boudina

"O regime tenta criar a impressão de uma mudança democrática sem, na verdade, mudar nada", afirma Miehe. "É uma das razões pelas quais as eleições são rejeitadas: as pessoas percebem que o voto não passa de uma fachada para o regime atual que não mudou fundamentalmente."

O papel do exército

O Hirak saiu às ruas em protestos durante 41 semanas consecutivas justamente para lutar contra o sistema de corrupção endémica e o papel político do exército. Segundo Baala, o exército "tem tremenda influência sobre a forma como o país é administrado. Além de que tem suas próprias redes e seus próprios interesses e lobbies em todas as instituições que administram o país."

A Argélia depende fortemente das reservas de petróleo e gás. A economia dominada pelo Estado produziu uma extensa rede de corrupção, que resultou numa alta taxa de desemprego juvenil e num sistema de patrocínios.

"Não houve nenhum esforço para diversificar a economia argelina e há um nível muito elevado de corrupção", diz Miehe. "É bastante óbvio que uma grande parte do dinheiro gerado pela exportação de petróleo e gás está desaparecer nos bolsos dos corruptos."

Observadores acreditam que mesmo que as eleições se realizem, os protestos vão continuar.