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As crianças com sangue rebelde do Congo

Rebecca Hillauer30 de novembro de 2013

Na RDC, muitas mulheres violadas dão à luz crianças que as famílias e a sociedade não aceitam. Em Bukavu, a Comissão de Justiça e Paz tenta quebrar este ciclo de violência através de terapia e sessões de esclarecimento.

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Foto: Jesko Johannsen

Com a sua filha de dois anos e meio às costas, a jovem Yolande teve de andar uma hora para chegar ao centro de trauma da aldeia de Muresa, no leste da República Democrática do Congo (RDC). Agora, estão ambas sentadas na "chambre d' ecoute", a "sala de escuta " do centro social.

Há três anos, pouco após o seu casamento, Yolande foi raptada e violada por milícias armadas. Ficou grávida e deu à luz uma filha.

Para o marido, ainda é difícil aceitar a criança. “Depois da nossa última consulta, ele mostrou-se um pouco mais amável”, conta. “Eu tratei da casa, cozinhei e lavei as roupas dele e ele foi para o campo. E algumas vezes quando voltou para casa cumprimentou-me alegremente. Isso foi maravilhoso!”, acrescenta.

Demokratische Republik Kongo Stadt Bukavu Straße Zentrum Straßenszene
Centro da cidade de Bukavu, capital da província do Kivu-SulFoto: flickr/Radio Okapi

Mas depois a filha ficou doente e o casal gastou quase todo o dinheiro que tinha no tratamento. “O meu marido disse que se calhar ela está doente porque tem sangue rebelde. Quando ele disse isso, foi um choque e fiquei muito triste”, lamenta Yolande.

Vergonha e rejeição

Na RDC, uma mulher violada é uma vergonha para a família e para a comunidade. Uma criança resultante de uma violação é para todos a expressão dessa vergonha. Com a ajuda da organização não governamental católica alemã Missio, a Comissão de Justiça e Paz da Igreja Católica construiu centros de trauma em Bukavu, capital da província do Kivu-Sul, para vítimas de violação e respetivas famílias.

Demokratische Republik Kongo Frau Baby Vergewaltigung Gericht
Muitas mulheres congolesas violadas dão à luz crianças que são rejeitadas pela família e pela sociedadeFoto: AP

“Após o nascimento, a maior parte das mulheres percebe que as crianças não têm culpa pelo que aconteceu e ama os seus filhos, mas os maridos e os familiares dizem que a criança tem de ir embora”, explica a assistente social Thérèse Mesma.

Muitas crianças acabam, por isso, nas ruas. Por isso, começaram a sensibilizar as famílias e as comunidades para este problema. “Explicamos-lhas que muitas destas crianças irão tornar-se ladrões e criminosos. Isso pode ser evitado se lhes dermos uma boa educação”, afirma Thérèse, lembrando que estas crianças são a próxima geração da RDC.

48 mulheres violadas por hora

De acordo com dados estatísticos das Nações Unidas (ONU), em média, 48 mulheres são violadas a cada hora na RDC. O número de violações aumentou há quase vinte anos, depois do genocídio no Ruanda, quando muitos dos presumíveis genocidas fugiram pela fronteira para o vizinho Congo.

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A assistente social Thérèse Mema (à esq.), da Comissão de Justiça e PazFoto: Missio

Enquanto isso, de noite ou de madrugada, inúmeros grupos rebeldes congoleses que atacam aldeias e raptam pessoas, violam-nas e muitas vezes até as matam. O marido de Yolande teve que assistir, impotente, ao sequestro da esposa pelos rebeldes.

Yolande espera que com o tempo o marido possa esquecer isso e amar a sua filha. “Ele antes nunca brincava com ela, mas isso mudou desde que começamos a vir às sessões de aconselhamento”, relata. Por vezes, quando está a fazer as tarefas domésticas, o marido trata da filha. “Fico muito feliz. Sinto-me no paraíso quando ele segura a minha filha nos braços.”

Rapazes mais discriminados

Num outro dia, a assistente social Thérèse Mema viaja de jipe até à aldeia de Mwanda. A viagem de 80 quilómetros demora quase quatro horas. As estradas secundárias não são asfaltadas, têm pedras e grandes buracos.

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Retirada de rebeldes no leste da República Democrática do CongoFoto: AP

No centro de trauma de Mwanda, Thérèse Mema quer falar com Vana, que também foi brutalmente violada por rebeldes e deu à luz um menino.

“Quando uma criança nasce depois de uma violação e o seu pai matou, incendiou e roubou tudo o que a família tinha, não é fácil exigir a essa família que crie essa criança”, diz a assistente social. É mais fácil se a criança for uma menina, “porque se esta se casa mais tarde, a família recebe um dote”, explica.

“Mas um rapaz, de acordo com a nossa tradição, um dia vai herdar os bens dos seus pais e também o nome do chefe da família”, acrescenta Thérèse Mema. Além disso, os homens temem que os filhos partam um dia à procura dos seus pais biológicos e que, eventualmente, se juntem aos rebeldes.

O filho de Vana tem apenas nove anos. A sua pele é negra como a de muitos ruandeses, muito mais escura do que a maioria dos congoleses. Os vizinhos brincam e dizem que é filho de rebeldes. Vana já lhe explicou que o seu pai biológico está morto.

As crianças com sangue rebelde da República Democrática do Congo

O seu marido não aceitava o rapaz. Segundo Vana, também é por causa disso que o relacionamento do casal é mau. “Se eu lhe peço, por exemplo, dinheiro para comprar roupas, ele diz: ‘Foste com os rebeldes para a floresta e dormiste com outros homens. Eles é que te deviam comprar roupa! Os vizinhos também acham que não és boa para mim.' Depois discutimos e ele desaparece e vai ter com outras mulheres”, conta.

Muitas mulheres pensam em abortar

Tal como muitas mulheres violadas, também Vana queria fazer um aborto quando soube que estava grávida. No entanto, os médicos e assistentes sociais recusaram-se: a sua fé católica e a lei congolesa proíbe-os, disseram.

Apesar de os últimos anos terem sido difíceis, Vana diz que agora está feliz por não ter feito um aborto. Hoje, vive com o filho numa cabana feita de folhas de bananeira. O marido vai sempre visitá-la quando sabe que a mulher recebeu algum dinheiro do centro social ou um dia de salário.

Também costuma dizer-lhe que o filho nunca vai herdar nada dele porque não é seu pai. “Quando ele diz isso, eu vou com o meu filho para a frente da porta e brinco com ele para que ele esqueça rapidamente estas palavras feias,” diz Vana.

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Congoleses em fuga com medo de ataques dos inúmeros grupos rebeldes que atacam aldeias e matam pessoasFoto: DW

Projeto-piloto ajuda mães solteiras

Quando Thérése Mema visitar Mwanda da próxima vez, terá uma boa notícia para Vana. A Comissão de Justiça e Paz lançou um projeto-piloto para mulheres solteiras violadas e os respetivos filhos noutras duas paróquias católicas. Inclui pequenos empréstimos para que as mães possam sustentar as suas famílias.

Além disso, as crianças obtêm uma certidão de nascimento e nacionalidade congolesa, para puderem ir à escola. Então, o filho de Vana poderá brincar com as crianças da aldeia.

Isso é o mais importante, diz a assistente social. Thérése Mema lembra que a maioria das crianças que nasce após uma violação tem traumas. Algumas nunca riem, outras estão sempre caladas porque tanto elas e as suas mães foram ostracizadas pela comunidade. “Mas se crescem com outras crianças ditas ‘normais’, podem esquecer as suas más experiências. E descobrir que têm os mesmos direitos que todos os outros e não são menos do que eles”, defende.

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Soldados na RDC - as Forças Armadas do país e os vários grupos militares rebeldes são responsáveis por muitas violações de mulheresFoto: picture-alliance/dpa