Ataque em Mocímboa da Praia terá sido “caso isolado”
16 de outubro de 2017A vila de Mocímboa da Praia, no norte de Moçambique, foi palco daquele que foi o primeiro ataque protagonizado por um grupo radical islâmico em Moçambique. Dos confrontos com a polícia, que tiveram início no passado dia 5 de outubro, resultaram 14 mortos.
Há quem lhes chame, principalmente a comunidade local, Al-Shabbab. Mas, em entrevista à DW África, Lázaro Mabunda, ex-observador do Centro de Integridade Pública (CIP), explica que existe também a versão de que "eles não são Al-Shabaab. Têm uma forma de atuar idêntica ao Al-Shabaab, mas chamam-se Al-Sunna”.
Atualmente, ainda são poucos os dados concretos relacionados com a identidade deste grupo que atacou a província de Cabo Delgado com recurso a catanas e armas de fogo. No entanto, a sua presença na região era já conhecida e, tinha sido inclusivamente, já reportada às autoridades.
Segundo Juma Cadria, representante da delegação de Nampula do Conselho Islâmico de Moçambique, "a presença de indivíduos com ideologias de tendência radical tem vindo a ser registada nos últimos tempos e já tinha sido reportada ao Governo”. O que o Conselho Islâmico de Moçambique não contava é que "eles enveredariam por esta via da violência”. "Fomos apanhados de surpresa com estes ataque. E o mais triste foi quando tomámos conhecimento que se tratava de um grupo que se reveste sob capa do Islão. Distanciamo-nos deste grupo de criminosos que não representa o Islão de forma nenhuma porque o Islão assenta na paz”, afirma Juma Cadria, acrescentando que "o islamismo e o cristianismo conviveram sempre lado a lado (nesta região) e nunca houve nenhum conflito”.
Propaganda radical
Nos últimos anos, membros deste grupo têm propagado nesta região aquela que é a sua visão do Islão. Recusam a autoridade do Estado, mas não só. "Não aceitam que as crianças vão à escola porque para eles a única escola reconhecida é a islâmica. Não há outra reconhecida, as escolas do Estado não são para eles reconhecidas. Os hábitos alimentares têm de ir ao encontro daquilo que eles defendem. Para além disto, este grupo reconhece que na Terra só existe um supremo, é o Alá, mais ninguém”, explica Lázaro Mabunda que fez também uma investigação sobre o islamismo em Cabo Delgado.
Na região norte de Moçambique existem, segundo Juma Cadria, mesquitas onde são lecionadas estas ideologias, mas estão devidamente identificadas. "As autoridades locais estão a trabalhar no sentido de desmantelar esses locais”, acrescenta.
Lázaro Mabunda lembra que a situação já não é nova. "Já há sete ou oito anos ocorria este fenómeno das pessoas daquela região entregarem as suas crianças para uma formação e isso chegou a levantar uma preocupação na altura”, recorda.
O responsável que já colaborou com o CIP dá conta mesmo que existem "bolsas que são dadas a partir das mesquitas para moçambicanos estudarem fora”. "No Sudão, há uma universidade que se chama African International University que é vocacionada para a formação de estrangeiros, mas todos os moçambicanos e estrangeiros que chegam lá têm que ser sujeitos a uma preparação. Primeiro, aprender a língua árabe, depois têm que se converter”, dá conta, afirmando que os cursos são financiados pelo governo da Árábia Saudita.
Moçambique deve ter medo?
O representante do Conselho Islâmico de Moçambique em Nampula não acredita, no entanto, na prevalência deste tipo de atos na província de Cabo Delgado. "Acredito pouco que se possa instalar um ambiente de instabilidade (na região), na medida em que a sociedade moçambicana, inclusive a comunidade muçulmana, está unida e solidária. Estamos a colaborar com as autoridades locais no sentido de identificar esses atacantes”. Juma Cadria acredita que estes indivíduos "vão ser neutralizados”. "Não acredito que se possa instalar um braço de ferro aqui na zona norte”, acrescenta, frisando que o ataque em Cabo Delgado foi um caso isolado que "não se deverá alargar ao resto do país”.
Também Lázaro Mabunda, frisa este ponto. "É um caso único. Nunca tinha havido em Moçambique ataques de grupos radicais islâmicos. Mesmo ataques desconhecidos nunca tinha havido fora o conflito armado com a RENAMO, mas este conflito não faria muito sentido no norte, está circunscrito à zona centro do país”, afirma este responsável, que lembra ainda que "o modus operandis” deste grupo é também "diferente da forma como têm sido os ataques da RENAMO. Este grupo atacou e ficou, o primeiro confronto durou quase um dia e meio, a RENAMO ataca e retira-se imediatamente”.
Lázaro Mabunda frisa ainda o facto de os atacantes detidos pela polícia não se demonstrarem dispostos a colaborar. "Preferem morrer a revelar os detalhes sobre quem são”, diz.
Sobre as alegadas ligações do grupo radicado em Cabo Delgado a outras células terroristas islâmicas, Juma Cadria não descarta possibilidades. "Todos os cenários são prováveis”, afirma. "As nossas fronteiras são frágeis do ponto de vista da segurança e há muita gente que entra em Moçambique de forma aleatória. Provavelmente há alguns que entram com intenções malignas”, dá conta. Cadria afirma mesmo que a confirmar-se que se tratam de indivíduos estrangeiros, o "Governo deverá tomar medidas”.