Ataques em Moçambique: Apoio da SADC mostra-se limitado
24 de maio de 2020"A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral [SADC] não tem forças armadas nem um quartel. Portanto, esse posicionamento é, na verdade, um aval para que os países da região possam cooperar com Moçambique, mas não os obriga a fazer isso. Não é um indicativo de que teremos apoio", disse à Lusa o académico moçambicano Paulo Wache.
Em causa está uma reunião na terça-feira passada (19.05) da 'troika' do órgão de Política, Defesa e Segurança da comunidade sub-regional, em Harare, capital do Zimbabué, onde o órgão se "comprometeu e instou os Estados-membros da SADC a apoiar o Governo de Moçambique na luta contra os grupos terroristas e armados" que já provocaram a morte de 550 pessoas em Cabo Delgado, norte de Moçambique, desde 2017.
Para Paulo Wache, o posicionamento do órgão é importante de ponto de vista político e institucional, mas não passa de uma "plataforma para que os países que decidirem apoiar Moçambique não entrem em choque com a instituição".
"O apoio dos países da região dependerá dos contatos bilaterais que Moçambique vai fazer e nem todos os países da SADC vão apoiar. Aparentemente Angola e Zimbabué estão mais dispostos a prosseguir com este apoio, além da Tanzânia [país vizinho e que também tem sido afetado pelos ataques]", frisou.
Terrorismo na África Austral
Por outro lado, prosseguiu o académico, ao declarar os ataques armados em Cabo Delgado uma ação "terrorista", Moçambique lança um alerta para a região da África Austral, que não tem o histórico deste tipo de ameaças.
"Ficou claro nos últimos tempos que estamos perante um ameaça terrorista, que não é só uma ameaça ao país, mas também à região. Portanto, a SADC pode operacionalizar os acordos de proteção da costa e fornecer meios tecnológicos de interceção de informações, na medida em que o êxito das ações militares depende também do que vai acontecer de ponto de vista diplomático", frisou Paulo Wache.
Também o académico Calton Cadeado entende que a violência em Cabo Delgado deve ser vista como uma ameaça à região, considerando que Moçambique já devia ter recorrido à SADC.
"Parece-me que Moçambique não mostrou muita abertura para intervenção de outros países da região na questão de Cabo Delgado. Mais do que isso, Moçambique foi procurar uma solução pujante longe da SADC. Houve informações sobre forças russas em Cabo Delgado que acabaram fracassando. Parece-me que agora Moçambique percebeu que é preciso voltar para a SADC", afirmou Calton Cadeado.
Apesar de admitir que o "terrorismo" é um fenómeno novo na região, o académico defende que a SADC deve ser vista como o principal interessado, tendo em conta que se está perante um problema que ameaça todos os países-membros.
"A SADC tem um histórico de solidariedade político-militar e, antes de outras opções, devia Moçambique ter privilegiado o paradigma de que problemas internos precisam de soluções internas", frisou o académico.
Ataques em Cabo Delgado
Cabo Delgado, região onde avançam megaprojetos para a extração de gás natural, vê-se a braços com ataques de grupos armados classificados como uma ameaça terrorista desde outubro de 2017.
As autoridades moçambicanas contabilizam um total de 162 mil pessoas afetadas pela violência armada.
No final de março, as vilas de Mocímboa da Praia e Quissanga foram invadidas por um grupo, que destruiu várias infraestruturas e içou a sua bandeira num quartel das Forças de Defesa e Segurança.
Na ocasião, num vídeo distribuído na Internet, um alegado militante 'jihadista' justificou os ataques de grupos armados no norte de Moçambique com o objetivo de impor uma lei islâmica na região.
Foi a primeira mensagem divulgada por supostos autores dos ataques que ocorrem desde outubro de 2017 na província de Cabo Delgado, gravada numa das povoações que invadiram.