Ativistas acusam polícia moçambicana de terrorismo
20 de março de 2023Nas primeiras horas de sábado (18.03), agentes da polícia fortemente armados inundaram os locais indicados pelos organizadores das marchas em homenagem ao rapper Azagaia, um pouco por todo o país.
As marchas estavam devidamente autorizadas nas cidades da Beira, Maputo, Chimoio, Xai-Xai, Nampula, entre outros pontos. Mesmo assim, a Polícia da República de Moçambique (PRM) recorreu à força para dispersar os manifestantes, particularmente na cidade de Maputo.
Pelo menos, 18 pessoas ficaram feridas. O caso mais grave é o do jovem Inocêncio Manhique, que perdeu o olho, alegadamente atingido por uma bala de borracha disparada pela polícia.
"Eu fui vítima de uma cobardia. Creio que a ideia era me matar", disse Manhique em declarações à DW África. "Depois da bala, poderiam ter me socorrido, mas não foi isso que aconteceu. Atiraram gás lacrimogéneo."
"Terrorismo de Estado"
Depois de ser atingido, populares levaram o jovem ao hospital. Ele diz que esteve sete horas a sangrar no banco de socorro, sem ser atendido. Ainda assim, "a luta continua", assegura o ativista de 34 anos de idade.
"Não falamos de luta armada, quem tem armas é a polícia. Falamos da luta do papel e da caneta e das nossas palavras", acrescenta.
Quitéria Guirengane, uma das organizadoras da marcha em homenagem a Azagaia, acusa a polícia moçambicana de terrorismo de Estado.
"A 18 de março, vivemos em Moçambique um ataque tal e qual o massacre de Mueda, tal e qual o terrorismo em Cabo Delgado. Nós já não sabemos quem é quem aqui. Não sabemos quem nos deve proteger", lamenta Guirengane.
Segundo a ativista, os agentes da polícia impediram a marcha alegando o cumprimento de supostas ordens superiores, de que não se conhece publicamente o mandante. Mas para Guirengane, uma coisa é clara: "Para a [polícia] se comportar daquela forma, com tamanha brutalidade e violência, significa que há uma responsabilidade do Presidente da República."
É Filipe Nyusi quem comanda "as Forças de Defesa e Segurança em Moçambique", explica Guirengane. "Aquela chacina [não poderia ter acontecido] das 7 às 14 horas sem ele ter conhecimento".
Silêncio da polícia
Vários comentadores no país acusaram os organizadores da marcha de pretenderem gerar tumultos – por essa a razão, a polícia teria agido com brutalidade. No entanto, Quitéria Guirengane rebate esta tese.
"Quem partiu lojas, vidros de carros imobilizados e de casas de particulares, foram eles. Quem fez vandalismo no sábado foram as instituições estatais [polícia], que se comportaram como marginais e vândalos."
A Polícia da República de Moçambique ainda não se pronunciou publicamente sobre os tumultos de sábado. Para Quitéria Guirengane, o silêncio da polícia e mesmo do Governo é bastante estranho.
"Em condições normais, deveriam pedir desculpas ao cidadão moçambicano. E não justificar que tiraram o olho a um jovem, pai de família, porque havia uma expetativa de haver um tumulto."
Na cidade de Nampula, alguns jovens organizadores da marcha em homenagem a Azagaia terão sido raptados por supostos elementos da polícia, torturados e mais tarde postos em liberdade. Na cidade da Beira, o presidente da Assembleia Municipal local também ficou detido por algumas horas, alegadamente porque foi encontrado a escutar a música "Povo no Poder", da autoria do rapper moçambicano.
O Movimento Democrático de Moçambique, através do seu presidente Lutero Simango, condenou a atuação da polícia e pediu a responsabilização dos autores da violência.