Autárquicas: Resultados a conta-gotas e polícia em cena
13 de outubro de 2023Por estes dias, não se fala de mais nada no país. Nos "chapas", nos bares, no café, nos táxis, a conversa gira em torno dos resultados das sextas eleições autárquicas em Moçambique, a 11 de outubro. O silêncio dos órgãos eleitorais na cidade de Maputo "assusta".
Os dois principais partidos políticos na cidade, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), falam de vitória.
Na quinta-feira (12.10), a RENAMO e o seu cabeça de lista, Venâncio Mondlane, saíram mesmo às ruas da capital, para agradecer aos munícipes pela alegada vitória no escrutínio. A "perdiz" diz ter conquistado a capital com 53% dos votos, contra 36% da FRELIMO e 6% do Movimento Democrático de Moçambique (MDM).
"A RENAMO venceu de forma folgada as eleições na cidade de Maputo", declarou Venâncio Mondlane, garantindo que o seu partido "não vai vacilar, não vai negociar absolutamente nada".
A imprensa pública tem estado a divulgar alguns resultados, que dão vitória à FRELIMO na cidade de Maputo. Mas Venâncio Mondlane finca o pé dizendo que não aceitará "qualquer resultado que não seja vitória para a RENAMO".
Silêncio "estratégico" da FRELIMO
Perante todo este suspense, o partido no poder mantém-se em silêncio. A celebração da suposta vantagem na contagem dos votos na cidade de Maputo limitou-se às redes sociais, onde alguns dos quadros séniores da FRELIMO apareceram a congratular o cabeça de lista Razaque Manhique. As saudações diminuíram nas últimas horas.
O silêncio da FRELIMO é interpretado por Dércio Alfazema como uma "estratégia".
"A FRELIMO é um partido que se guia por uma disciplina muito forte, por isso ninguém vai sair à rua sem autorização do topo", diz o analista e diretor de programas do Instituto para a Democracia Multipartidária (IMD).
Alfazema estranha, no entanto, a demora na divulgação dos resultados intermédios na cidade de Maputo. "Hoje em dia, com a tecnologia, que existe não faz sentido que se tenha de esperar tanto tempo assim", afirma em declarações à DW.
A espera dá azo a especulações e aumenta a tensão entre os eleitores e cidadãos que anseiam pela divulgação dos resultados.
Quelimane volta às mãos da FRELIMO
Na manhã desta sexta-feira, a Comissão Distrital de Eleições na cidade de Quelimane anunciou os resultados provisórios que dão a vitória ao partido FRELIMO com 50,45% dos votos. A RENAMO ficou com 43,45%.
José Manteigas, porta-voz nacional da RENAMO, convocou a imprensa para dizer que o partido condena a divulgação de resultados "falsos", sublinhando que o seu partido venceu em Quelimane, Matola, Maputo, Nampula e Vilanculos.
"É um crime estar a divulgar resultados contrários à vontade expressa nas urnas", disse Manteigas, para quem "esta vitória é dos moçambicanos e serão os moçambicanos a reivindicar e defender esta vitória", concluiu.
O partido FRELIMO na cidade de Quelimane convocou a imprensa para dizer que o objetivo foi conseguido: "Manter as cinco autarquias, recuperar Quelimane e, por fim, conquistar a nova autarquia de Morrumbala", afirmou o primeiro secretário do comité provincial, Paulino Lenço, citado pelo jornal Diário da Zambézia.
Disputa por Nampula
À semelhança da cidade de Maputo, os dois maiores partidos moçambicanos também celebram simultaneamente a vitória em Nampula.
Cada um faz a festa à sua maneira. A RENAMO, que está no comando da autarquia, chamou na quinta-feira os seus membros para as ruas, para celebrar a suposta vitória, mas os festejos foram impedidos pela polícia. Esta sexta-feira foi a vez da FRELIMO sair às ruas da "capital do Norte", para comemorar - desta vez, a polícia não travou os manifestantes.
Celso Correia, diretor geral de campanha do partido FRELIMO e membro da comissão política de assistência à província de Nampula, anunciou a vitória do partido em todas as autarquias da província.
Festas à parte, o certo é que o STAE distrital de Nampula ainda faz o apuramento intermédio dos votos. "Vamos aguardar serenamente pela validação definitiva dos resultados, o mais importante é que o povo votou", disse Correia.
PRM instrumentalizada?
A Polícia da República de Moçambique (PRM) tem sido acusada de se deixar instrumentalizar para desvirtuar o processo de votação nas sextas autárquicas. As acusações chegam não só dos partidos políticos da oposição, mas também de observadores e defensores de direitos humanos.
Durante e depois da votação, foram reportados casos de agentes da polícia na posse de boletins de votos pré-assinalados a favor do partido no poder. Há registo de detenções ilegais na cidade de Dondo, província de Sofala, contra membros do MDM. E denúncias de excesso de força em Nampula, Cuamba, Milange, Chiúre e até na cidade de Quelimane, onde o edil Manuel de Araújo chegou a ficar detido por algumas horas.
Uma publicação do Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD), de 12 de outubro, especifica que, em Chiúre, na província de Cabo Delgado, a polícia terá atirado mortalmente contra três pessoas que se encontravam numa marcha de celebração de vitória da RENAMO naquela autarquia.
No dia da votação, a polícia foi também acusada da detenção ilegal de delegados de candidaturas dos partidos da oposição.
Dércio Alfazema, diretor de Programas do IMD (Instituto para Democracia Multipartidária), dá nota negativa à atuação da PRM na reta final das eleições autárquicas. "Até esteve muito bem durante a campanha eleitoral, mas depois acabou se perdendo", nota Alfazema.
Mas a PRM em Nampula, na Zambézia e em Cabo Delgado justifica o uso da força como forma de manter a ordem pública.
Essa não foi a primeira vez que a PRM foi acusada de interferir nos processos eleitorais. Noutras eleições também já foi acusada de desviar urnas e até de encher urnas.
Boletins polémicos
Outro ponto polémico nestas eleições foi a descoberta de muitos boletins de voto pré-assinalados no dia da votação, encontrados na posse de membros da FRELIMO e dos Membros da Mesas de Votação (MMVs).
Será este um problema crónico nos processos eleitorais moçambicanos? De onde saem estes boletins?
Leonardo Bila, diretor de operações do Secretariado Técnico da Administração Eleitoral (STAE) central disse em conferência de imprensa na quinta-feira (12.10) desconhecer a origem destes materiais.
Mas não se mostrou preocupado. Bila explicou que o material do STAE tem um código de segurança com uma série correspondente a cada mesa de votação, que permitirá detetar fraudes. Em relação aos boletins encontrados com os MMvs, o responsável limitou-se a dizer que está em curso um processo de investigação para esclarecer o assunto.