Balanço mitigado de dez anos de independência em Timor-Leste
18 de maio de 2012Foram dez "anos de esperanças não respondidas e de sonhos e desejos também não realizados, isso é um facto", quem o diz é Basílio do Nascimento, bispo de Baucau, analista fino da realidade timorense. Dom Basílio, com a autoridade da Igreja, constata a erosão da liderança histórica e alerta para o isolamento dos pais da pátria."Para esta população jovem, hoje em dia, a saga dos heróis faz parte do passado, faz parte já do antigo testamento. Estes jovens já não têm essa sensibilidade", diz.
No entanto, há uma multiplicação "de requerimentos se assim se pode dizer, ou de exigências, da parte dos ditos heróis, dos que fizeram a luta. Cada vez mais há uma exigência, há uma busca, uma procura, para que sejam estes a terem influência e a terem presença, em todos os mercados, tanto no mercado do trabalho como no mercado social", acrescenta Basílio do Nascimento.
Petróleo: a maldição e a benção timorense
Timor-Leste, país de sincretismo católico e animista, como explica dom Basílio, tem um novo "deus": agora, a jovem nação idolatra ao Mar de Timor."Quem concentra neste momento as atenções e quem motiva as atenções do povo timorense é o dinheiro do petróleo. Só que aí, toda a gente tenta ver como é que vai buscar o melhor quinhão em benefício próprio".
O Orçamento de Estado, que tem crescido de ano para ano, tem pago o quinhão de todos. Mas o maná de Bayu-Undun, Greater Sunrise e os outros campos petrolíferos no Mar de Timor não vai durar para sempre, avisam organizações da sociedade civil e militantes como Charles Scheiner, um veterano da causa timorense que reside em Díli desde a independência e que coordena a organização não-governamental East Timor Action Network. "Timor-Leste é, neste momento, o segundo país do mundo mais dependente do petróleo, a seguir ao Sudão do Sul", frisa.
"Está a seguir o - infelizmente - quase previsível padrão da «maldição da riqueza». O problema fundamental é que é um país petrolífero sem muito petróleo. Em 12 ou 13 anos, quando o Bayu-Undan secar, 95% das receitas do governo e 80% da economia do país, vão parar. Se o Greater Sunrise entrar em produção, será um pouco mais de tempo. Se quiser, podemos ir ver os gráficos na parede e ver".
Os gráficos, mesmo com as variantes mais positivas, são elucidativos. Timor-Leste dispõe de recursos para gastar durante 40 anos ao rácio de 1,88 dólares por pessoa e por dia. Contando com o Fundo Petrolífero, a despesa pode subir para dois dólares/dia/pessoa. Mas o Orçamento de Estado de 2012 da coligação governista AMP - Aliança da Maioria Parlamentar empurra já a despesa para 3,88 dólares/pessoa/dia. Ou seja, o dinheiro só chega para metade do nível actual de gastos – e com resultados questionáveis.
Independência ainda vulnerável
"A única coisa nova que se vê em Timor é a electricidade", salienta José Sequeira, nome de guerra Somotxo, veterano de 24 anos de luta, antigo secretário pessoal dos comandantes das Falintil e actual presidente da associação de antigos combatentes. "O óleo pesado, que está agora a tentar fazer a cobertura a nível nacional. Mas depois da inauguração, fogos de artifício por todos os lados, continuamos a ver e a assistir a cortes permanentes de electricidade. Só agora é que veio a luz. Estivemos parados de manhã até agora. Não compreendo tanto dinheiro gasto durantes estes cinco anos, tento em conta que estamos no fim do mandato do Governo da AMP. Praticamente não vemos nenhuma coisa para ficar como património de Timor".
É irónico, ou revelador, que as críticas de uma referência das Falintil como Somotxo coincidam com as do antigo governador durante a ocupação, Mário Viegas Carrascalão."A nossa própria independência está ainda muito vulnerável. Ninguém nos dá a garantia que, esgotando-se o Fundo do Petróleo, que nós vamos poder aguentar-nos pelos nossos próprios pés. Não há investimentos reprodutivos, como toda a gente sabe. O Fundo do Petróleo está a ser usado de uma maneira consumitiva, não é de forma reprodutiva. Na agricultura, continuamos a importar milhares de toneladas de arroz anualmente quando só Maliana poderia produzir arroz suficiente para todo o Timor".
Xamana Gusmão é foco de todas as críticas
Curioso também: o ex-governador e muitos veteranos indignam-se em uníssono com o revisionismo do Timor-Leste independente. Constata Somotxo: "os que colaboraram com o inimigo à nossa exterminação e sempre contra a independência de Timor, estão agora a ter poder. Ligado a esta situação, há muitos jovens que não estão preocupados com esta situação e o que nós prevemos é que futuramente, daqui a uns vinte anos, vai haver um conflito entre os independentistas e os autonomistas".
A própria política que os governantes tentam introduzir como meio para o desenvolvimento "não é uma política de unidade", acrescenta, mas é uma política de discriminação, ou discriminatória. Isto pode agravar a situação e pode dividir a futura geração em duas partes: os da geração da independência e os autonomistas. Isto pode acontecer".
O homem mais criticado é, sem surpresa, o que ocupa o poder executivo: Xanana Gusmão, ex-comandante da guerrilha. O homem que mais o ataca é, naturalmente, o antigo pimeiro-ministro, Mari Alkatiri, a sua Némesis."O Xanana não é corrupto, mas é corruptor. Ele fecha os olhos, quando sabe que há corrupção, porque simplesmente quer continuar no poder - é corruptor. Quando ele transforma tudo em fundos sociais, quando não obriga as pessoas a capacitarem-se para concorrer aos projectos, distribui pacotes – é corruptor. Pode ter as melhores intenções, mas está a corromper mentalidades e quem vier depois, para corrigir isso, não vai ser fácil. Mas vai ter que ser feito".
Alkatiri, líder da Fretilin, na oposição desde 2007, garante que «ninguém quer mal a Xanana» - nem ele. E o contrário? Xanana quer mal a Mari? "Eu julgo que sim. Tomo a coragem de dizer que sim, que, se eu não tivesse mudado de estratégia, seria guerra aberta, derramamento de sangue e o Xanana sabia que, se isso acontecesse, os seus aliados externos cairiam sobre mim".
Um década de independência marcada por conflitos vários
A conflitualidade da política timorense tem sido uma marca dos primeiros anos de independência. Houve até um ataque contra o chefe de Estado e o primeiro-ministro, em 2008. José Ramos-Horta quase morreu baleado junto à sua residência.O novo presidente de Timor-Leste, Taur Matan Ruak, vencedor na segunda volta das presidenciais de abril, pretende, por isso, ser o novo homem providencial. "O meu desejo é transformar o meu país num país rico, forte e seguro".
O general Timor – é isso também que significa as suas iniciais, explica-nos – quer provar que o seu país não é um Estado frágil nem será um Estado falhado. Foi para isso que despiu a farda – arriscando-se a ser Presidente do seu antigo comandante, se Xanana Gusmão ganhar as legislativas dentro de poucas semanas. Ruak avisa, apenas, que na tradição timorense, "só há um rei, não dois".
"Eu por natureza sou não sou a favor do conformismo, por um lado, e por outro não sou a favor do status quo. Sou uma pessoa muito dinâmica, atento à evolução das coisas. Que sabe interpretar a realidade e determinar as formas de responder. Esse é o papel de um comandante. O comandante não é aquele que fica parado num lugar. Vinte e quatro sobre vinte e quatro tem que mudar de tácticas. Ainda por cima, quando não é um comandante de uma guerra convencional mas de guerrilha. Adapto-me facilmente às circunstâncias, com criatividade e iniciativa. Não sou osso fácil de roer. Tenho as minhas ideias e ideais. Respeito as dos outros mas faço questão de discutir e encontrar formas de avançar. Passividade, espírito de deixa-andar, não é comigo".
Um dos "ideais" sublinhados na campanha de Taur Matan Ruak é a necessidade de encontrar mecanismos de justiça para as muitas vítimas da ocupação. Largos sectores da sociedade timorense, e em primeiro lugar a Igreja, esperam uma correcção da linha benévola seguida por José Ramos-Horta, aqui explicada pelo próprio a propósito da libertação de um chefe de milícia condenado por crimes contra a humanidade em 1999.
"Nenhum militar indonésio será julgado na Indonésia ou num tribunal penal internacional. O que é que eu digo à minha consciência? Que, por razões de Estado, por razões de convicção, em respeito pela nova Indonésia, em admiração pelo seu comportamento de muito sentido de maturidade que hoje apadrinha o novo Estado timorense, mas ao mesmo tempo vou continuar a manter preso um desgraçado de um milícia que cometeu os seus actos porque estava drogado e que já serviu oito anos".
A justiça – judicial e social – é, no discurso oficial, o pilar consensual da independência timorense. Enquanto não se concretizar, Timor Lorosa’e continua, afinal, num equilíbrio instável. Ou, como resumiu um jovem que procura na cultural tradicional a saída para a violência cíclica, "os timorenses estão quietos mas não estão em paz".
Autor: Pedro Rosa Mendes (Díli)
Edição: Helena Ferro de Gouveia