Base militar dos EUA custaria a subserviência de Luanda?
12 de junho de 2024Na nova era das relações entre Angola e os EUA, a cooperação militar tem merecido especial atenção. Motiva a posição norte-americana a proteção dos seus interesses económicos no Corredor do Lobito e especialmente na República Democrática do Congo (RDC).
O académico angolano Paulo Inglês diz que "há uma cooperação militar entre os EUA e Angola que tem sido reforçada ultimamente. Um dos assuntos é a instalação de uma base militar no norte de Angola, na zona do Soyo, numa zona petrolífera, na costa".
A instalação da base militar seria motivada por interesses geoestratégicos de Washington, na leitura de Inglês: "Esta base faz parte de um plano de expansão das bases norte-americanas em África. Há [nesse plano] uma parte chamada 'Atlântico Sul', e Angola entra nesta rede de bases."
"Escolheu-se o Soyo porque está perto de Cabinda e Congo, que fica numa parte triangular. Esta base já está a ser construída, é perto do mar, uma zona estratégica", acrescenta o académico.
Este é um assunto que nunca foi tornado oficial pela "Cidade Alta". No ano passado, o Governo rejeitou a criação de bases norte-americanas em Angola. O académico da Universidade alemã de Bayreuth reconhece que o tema é tratado com certa discrição e parcimónia.
Violação da Constituição?
A ser assumido pelo Governo, representaria uma violação da Lei Mãe, comenta o angolano Kinkinamo Tuasamba, especialista em Relações Internacionais: "A possibilidade da criação de uma base militar norte-americana no nosso país viria a ser uma violação da Constituição", realça.
O académico recorda que "não existe nenhuma informação do Governo angolano de que existe essa pretensão. O que houve, sim, durante a visita do secretário de Defesa norte-americano [em setembro de 2023], foi um grande interesse dos norte-americanos de trabalhar com Angola tendo em conta as conflitualidades que o continente africano vai vivendo e o papel do Presidente João Lourenço na resolução desses conflitos".
EUA negam: "Alegações são infundadas"
E a Embaixada norte-americana em Luanda reagiu, entretanto, nesta quarta-feira (12.06), negando o facto. Segundo o comunicado enviado à DW, "não existem planos ou ações em curso para estabelecer uma base militar dos EUA em Angola".
"As alegações feitas pelas fontes académicas citadas no artigo são infundadas e não refletem o estado atual da cooperação militar EUA-Angola, que se concentra em esforços conjuntos para promover a paz, o desenvolvimento e a segurança na região", diz ainda o comunicado.
E nesse sentido, ainda no âmbito do direito à resposta, a Embaixada afirma que "[esta] publicação contém desinformação que pode enganar o público, prejudicar as relações diplomáticas e desestabilizar a cooperação na área de segurança na região".
As "perversões" dos EUA
Mesmo que os dois Estados persigam objetivos comuns para a região dos Grandes Lagos, fundamentalmente de restaurar a paz na RDC, há um histórico obscuro que pode deixar diversos setores com o pé atrás em relação a base no Soyo.
O especialista moçambicano em Relações Internacionais Paulo Wache partilha exemplos: "Conhecemos o comportamento dos EUA na América Latina, onde organizou subversões e golpes de Estado, apoiando-se nos Estados vizinhos. Então, se você tem um vizinho que tem um americano, não é garantia de que vai ter 'externalidades' só positivas. Pode ter 'externalidades' negativas se o Governo vigente nesse país for hostil aos interesses americanos. Significa ao mesmo tempo uma preocupação para os países vizinhos de Angola, mas também pode haver uma certa vantagem."
Para Wache, é óbvio que o principal objetivo de Washington é satisfazer os seus interesses; afinal, "não há almoços grátis" nas Relações Internacionais. Da RDC querem principalmente os recursos para carburar a sua indústria de automóveis elétricos, para suplantar o líder de mercado, a China. A matéria-prima é transportada pelo Corredor do Lobito, também com interesses americanos.
Mas essa ambição poderia ficar comprometida pela instabilidade causada pelos rebeldes do M23, que estão longe de ser derrotados.
O investigador português Fernando Cardoso recorda que o Presidente da RDC, "Felix Tshisekedi, tentou várias combinações aliadas, neste momento são apoiadas por três grupos de mercenários e são grupos congoleses e também por forças da Tanzânia, Burundi e da África do Sul. E agora tendo mandado embora a missão das Nações Unidas, a MONUSCO, que era a segunda maior missão da ONU fora."
Como ficaria Moçambique na foto?
Moçambique não ficaria fora do raio da investida de força norte-americana, não só pelo facto de a instabilidade na RDC estar relacionada com o terrorismo em Cabo Delgado através do ADF, ramo do Estado Islâmico, mas também por causa das ricas reservas de gás, que podem tornar o país num dos 10 maiores produtores do mundo.
"Cabo Delgado tem muitas riquezas. Quando os EUA montam uma base militar num determinado Estado, com certeza que eles querem ter o controlo da riqueza em volta do território", alerta Kinkinamo Tuasamba.
O académico lembra ainda que "os EUA são o Estado com mais bases militares no mundo, cerca de 800, e vão perdendo essas bases. Moçambique oferece, de facto, essa vantagem tendo em conta a sua fragilidade política, montando uma base militar tendo em conta o terrorismo naquela zona".
"Há muito gás naquela zona. Porém, por detrás, há interesses económicos de subtrair esse gás", sublinha.
Paulo Wache entende que "nem para Angola, não há benefícios nem prejuízos a partida. Os estados poderosos sempre agem de forma coerciva, mesmo que a coerção seja do modelo do rato, que rói e sopra, mas é sempre coerção".
Luanda vai "curvar-se" aos desejos de Washington?
Apesar dos factos disponíveis, os impactos da presença norte-americana na região continuam a ser uma incógnita, considera Paulo Wache. Mas o pesquisador moçambicano está certo de uma coisa: Luanda vai ter de se curvar a Washington.
"E os dirigentes angolanos com certeza sabem que estabelecer uma base americana não significa mais segurança, significa que têm de ser mais subservientes para manter a aparente segurança."
No consulado do Presidente José Eduardo dos Santos, os EUA eram apontados como patrocinadores das revoltas contra o regime, através do financiamento à sociedade civil. Recentemente, Washington lançou o PROPID, Programa de Apoio aos Partidos Políticos para uma Democracia Resiliente e Inclusiva, que certamente alavancará mais a oposição. Irão os EUA mais uma vez regular o cenário político conforme os seus interesses?
Nota editorial: Esta reportagem foi atualizada com a posição da Embaixada norte-americana um dia após a sua publicação.