"Batalha campal" prejudica imagem de Angola
15 de maio de 2020A milionária e filha do antigo Presidente de Angola, Isabel dos Santos, contratou a firma "Sérgio Raimundo e Associados”, o maior escritório de advocacia em Angola em número de advogados.
Esta sociedade de advocacia tem como patrono o advogado Sérgio Raimundo, uma figura ligada à defesa dos processos mais mediáticos no país. Como, por exemplo, o caso que envolveu o patrão da Quantum Global, antiga gestora dos ativos do Fundo Soberano de Angola, o suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais, o ex-governador do Banco Nacional de Angola, Walter Filipe, o ex-ministro dos Transportes, Augusto da Silva Tomás, e o antigo chefe do SISM, o Serviço de Inteligência e Segurança Militar, o general António José Maria, mais conhecido por "Zé Maria".
Analistas prevêem uma "batalha campal" com consequências para a imagem do país nos mercados financeiros.
Muito familiarizado com processos do fórum criminal, Sérgio Raimundo tomou contacto com o processo, segundo fonte judicial da DW África, nas últimas três semanas.
Raimundo verificou a existência de alegados "documentos falsos”, como uma cópia de um passaporte atribuído a Isabel dos Santos, e que teriam sido a base de sustentação da acusação da Procuradoria-Geral da República de Angola (PGR) a solicitar "o arresto dos bens e contas bancárias” da empresária, junto da 1ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda e, por extensão, no Tribunal da Relação de Lisboa, em Portugal.
Passaporte falso
Num comunicado enviado à imprensa na última terça-feira (12.05), a filha do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, acusou a PGR de ter usado o passaporte falso com a assinatura do mestre do kung-fu e ator de cinema já falecido Bruce Lee. O passaporte foi apresentado em tribunal pela PGR para demonstrar que "Isabel dos Santos pretendia ilegalmente exportar capitais para o Japão”, alegou a empresária.
Santos acusa também a procuradoria de fazer uma "utilização fraudulenta do sistema de justiça de Angola” para se apoderar do seu património.
Em resposta, na noite do mesmo dia, a Procuradoria-Geral da República esclareceu, que o arresto de bens não teve como base qualquer documento de identificação, mas sim os documentos que atestavam o receio de dissipação do património.
Acrescentou ainda que o aludido passaporte estava sob investigação junto ao Serviço de Migração e Estrangeiros (SME), precisamente para aferir a sua autenticidade.
Há provas sólidas?
O jornalista e analista político angolano Alexandre Neto Solombe considera que este é um imbróglio que não se pode ignorar e que a PGR não soube contra-argumentar: "Eu acho que este é uma prova factível, na qual ela pega para valorizar em fase de contestação do processo que lhe chegou as mãos. A providência cautelar inicialmente não lhes deu oportunidade para tomarem contacto. Aliás, até porque havia muito pouco ao pedido da PGR e o Tribunal anuiu”, argumenta Solombe.
"Portanto, parece-me haver uma prova material, seja ela válida ou não. Mas tendo ou não pesado na decisão do tribunal, ela agora que teve acesso ao processo está a capitalizar nesta prova que é, de facto, uma anomalia que não podemos ignorar”, conclui.
Solombe diz, por outro lado, que a PGR angolana deve ser muito clara em relação a que prova efetivamente usou para minimizar essa questão do passaporte falso.
"O que pude observar o comunicado da PGR é na reação ao comunicado feita pela Isabel (dos Santos), é que o comunicado da PGR também não é muito convincente. No contra-argumento e, sobretudo, do peso das provas em que efetivamente se baseou a fundamentação para se fazer o arresto junto tribunal. O comunicado da PGR deixou ainda mais duvida. Nós vemos uma PGR sem argumentos muito fortes para dizer efetivamente que sim, se a cópia do passaporte falsificado foi juntado ao processo na providência cautelar ou não obstante a essa nós temos outras provas, nomeadamente, esta e esta", considera Solombe.
Norte-americanos atentos
Uma situação que pode aumentar ainda mais o ceticismo do empresariado estrangeiro, que há muito não confia no sistema de justiça angolano, aliada à alta corrupção na estrutura do poder político. Pedro Godinho, conhecido empresário do setor petrolífero e presidente da Câmara de Comércio Americana em Angola, diz que os homens de negócios norte-americanos estão atentos ao desfecho deste processo.
"Para quem conhece a cultura americana, os americanos quando entram para um processo ou estejam a analisar um processo, o que eles querem são resultados. Porque os americanos sabem que um dos maiores promotores da corrupção foi mesmo o sistema. E que Isabel, quando nasceu não era milionária nem bilionária. Então, e se ela hoje, por exemplo, apresenta todos esses recursos, participação em tudo quanto são empresas e tudo isso, para quem faz negócio, sobretudo num país com dificuldades como Angola, não poderia ter uma ascensão exponencial como [Isabel dos Santos] teve”, entende Godinho.
Ainda assim, diz o empresário, o importante é o Presidente Lourenço não perder o foco na cruzada contra a corrupção: "Uma das coisas que ajudaria bastante o Presidente era mobilizar a Nação, porque ele vai enfrentar muitos tubarões pela frente. Ele vai enfrentar muitos obstáculos. Ele sozinho ou com meia dúzia de pessoas não chegará lá. Portanto, essa batalha só será eficiente e bem-sucedida se o presidente for capaz de mobilizar a Nação”.