Ismael Miquidade ensina refugiados a fotografar
7 de julho de 2016DW África: Fala-nos do projeto em que estás envolvido. Quando começou?
Ismael Miquidade (IM): Comecei a trabalhar para a Cruz Vermelha alemã em finais de agosto [2015], primeiro como tradutor e na segunda fase como chefe de departamento que dá apoio a crianças e jovens no sentido de providenciar cursos de alemão, de integração e fazer o registo ao nível da escola e vários outros projetos no sentido de integrar as crianças e jovens com vista a ocuparem os seus tempos livres. Mas já tinha uma ideia desde o início de fazer um projeto fotográfico. Porque penso que se alguém viveu [situações] tem um background. E no caso dos refugiados há os que vêm de cenários de guerra.
Agora estão em paz e têm a possibilidade de começarem uma nova vida, mas eles trazem esta bagagem sentimental, que pode ser utilizada ao nível da fotografia dando a câmara a um jovem e convidá-lo a fotografar Berlim e pedir-lhe para mostrar o que é novo para ele, o que é um contratse, o que ele não gosta ou o que o assusta. E isso pode-se ver através da fotografia.
DW África: E qual é a impressão que tens desse trabalho, sobre a visão deles do mundo em que estão agora inseridos? Conseguem representar isso através da fotografia?
IM: É muito interessante porque nós temos esse projeto em várias fases e quando eles têm a possibilidade de levar a câmara e eu não me junto a eles, eles vão a todos os lugares importantes de Berlim e fotografam. F azem street photography, artistas de rua, pessoas, movimentos culturais, todas raças, religiões, etc. É uma dinâmica muito interessante. Lembro-me que houve um que me disse: "Aqui é tudo diferente, nós podemos ser o que quiseremos. Não é que ninguém queira saber de nós, mas somos livres de nos movimentarmos como acharmos melhor".
DW África: E em que consiste o apoio aos refugiados?
IM: Primeiro, mostrar que estão numa safe zone (zona segura, em português), que é importante aprender a língua, mas que também é importante aproveitar todas as oportunidades de formação.
DW África: No que diz respeito ao projeto fotográfico, ele está a ter alguma visibilidade, uma vez que têm feito exposições. Onde estão a acontecer e em que moldes?
IM: A exposição foi resultado do trabalho com o primeiro grupo, composto por 12 pessoas. O título era "Richtung Karlshorst", direção Karlshorst em português. Esteve patente na Sparkasse Berlim, na filial de Karlshorst, durante três semanas. Foi tema na imprensa de Berlim e temos agora vários convites de galerias que querem expor essas fotografias.
DW África: Vamos falar agora do fotógrafo Ismael Miquidade, disvinculado de qualquer projeto com refugiados. Já vives na Alemanha há cerca de sete anos e tens exposto em vários países da Europa. Conta-nos como foi a tua progressão desde que cá chegaste?
IM: Primeiro, fotojornalista desde 2003 em Moçambique, trabalhei também numa penitenciária. E antes do meu trabalho com os refugiados achei que este tinha sido o maior trabalho da minha vida, não como fotojornalista, mas como fotógrafo e como pessoa também. A exposições, a primeira foi realizada na Lituânia a convite de um luso-moçambicano, particiepi no quarto festival de arte contemporânea de Caune e no Africodienius, o festival dos dias africanos em Vilnius. Depois houve um convite também do Instituto Camões em Budapeste, a propósito do dia da língua portuguesa na CPLP e terceiraas jornadas da língua portuguesa no leste europeu. Participei também num concurso onde ganhei um prémio, o certificate of commendation, num projeto que envolvia mais de trinta fotógrafos e o tema era migração, em Londres, e daí fizemos uma outra exposição. E daqui a duas semanas vou participar noutro projeto sobre migração aqui em Berlim, num festival internacional. Gosto do que faço porque me ensina coisas todos os dias.
DW África: E foi fácil conseguir um lugar como fotógrafo na Alemanha?
IM: Sim, langsam, em português quer dizer devagar, a trabalhar muito. Lembro-me que quando estava em Colónia, nos meus primeiros anos, trabalhei como fotógrafo publicitário, que não gostava nada, mas era um trabalho a tempo inteiro, e portanto, tudo correto. Acho que ser fotógrafo nos dias de hoje é muito difícil. Tenho um trabalho e o dinheiro que me sobra financio o fotógrafo, que sou eu, e assim funciona. Não viver só de fotografia, fazer várias coisas em paralelo e no tempo que for possível fazer fotografia, porque é a coisa que mais gosto.
DW África: E o novo projeto com os refugiados veio adiar os planos do fotógrafo Ismael?
IM: Não, ele está lá, sempre. Ás vezes em primeiro lugar, às vezes em segundo.
DW África: O teu trabalho hoje está de alguma maneira ligado a Moçambique ou houve uma espécie de divórcio?
IM: Sempre ligado, 80% das minhas fotografias são sobre Moçambique. É uma forma de eu manifestar a minha própria saudade. O que a minha fotografia sobre Moçambique representa é 75% da população rural, que vive isolada e a fazer a sua vida, o que é bonito, têm as xitjumbas (fardos enormes que se carregam na cabeça), por senhoras fortes, que é uma vida bonita. Apesar de ter vindo para longe creio sempre que o meu lugar é em Moçambique, por isso partilho com as outras culturas.
DW África: E os teus planos como fotógrafo?
IM: Continuar a fazer fotografia. Uma coisa muito interessante é que eu vim para Berlim no ano passado e queria ficar aqui apenas um ano para viajar e dizer Danke schön Deutschland, muito obrigado Alemanha, ich gehe nach Haus, que significa vou-me embora para a casa, mas depois encontrei este trabalho que é do ponto de vista humano muito gratificante, ajudar pessoas e depois voltar para a casa e dormir sentido que fiz o máximo [é bom], como pessoa sinto-me útil aqui e agora.
DW África: Vou recuar para o projeto com os refugiados. Achas que tens uma sensibilidade maior para com eles pelo facto de seres migrante e saberes que o quão difícil é integrar-se num país como a Alemanha?
IM: Sim, porque venho de Moçambique e nós somos acolhedores e tentamos nos dar bem uns com os outros. Dou sempre o exemplo das religiões, que em alguns países africanos é difícil a convivência entre católicos e muçulmanos, mas para nós [moçambicanos não é]. No fim do Ramadão a minha mãe convida os vizinhos todos e no natal os nossos vizinhos convidam-nos. Então, é uma mesa grande e farta e todos estão juntos. Acho que já trago isso de casa, o querer ajudar, o saber partilhar e de esperar o bem para todos.
DW África: Então, no final podemos dizer que a Alemanha não te larga nem que tu queiras?
IM: A Alemanha não me deixa em paz...