Após 16 anos, Biosfera CV suspende atividade no Ilhéu Raso
11 de junho de 2021Devido a crescentes ameaças a que as equipas da associação ambientalista Biosfera Cabo Verde dizem estar sujeitas por parte de jovens pescadores e mergulhadores que pescam ilegalmente em torno do Ilhéu Raso, a ONG com sede na cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente, decidiu suspender as atividades de conservação nessa Reserva Integral.
A Associação para a Defesa do Meio Ambiente em Cabo Verde denuncia que "ao longo dos anos, nenhum governo conseguiu aprovar formalmente e oficialmente um plano de gestão da reserva e os recursos naturais continuaram a ser impiedosamente delapidados por caçadores furtivos sem qualquer intervenção para impedir a pilhagem."
Em entrevista à DW, o presidente Tommy Melo sublinha que teme pelo futuro da reserva - que é um dos pontos do país mais importantes em termos de biodiversidade - e sobretudo pela extinção da cagarra, uma ave endémica.
A DW contactou o Diretor Nacional do Ambiente, Alexandre Nevsky, que remeteu os esclarecimentos para os próximos dias, após a divulgação de um comunicado do Ministério do Ambiente.
DW África: O que motivou a cessação das atividades da Biosfera Cabo Verde na reserva integral do Ilhéu Raso?
Tommy Melo (TM): A Biosfera, desde o ano passado, mais concretamente desde setembro, tem vindo a denunciar a atividade ilícita de um grupo de jovens mergulhadores que fazem caça submarina na reserva do Ilhéu Raso, que é uma reserva integral e que, pela lei, não pode acomodar esse tipo de atividade. Depois de termos feito várias fotografias para comprovar a ilegalidade, a pedido do próprio Ministério da Economia Marítima, nada foi feito. Esses jovens continuam a operar na zona e o nível de ameaça vem aumentando.
Por forma a não se chegar a uma situação de conflito, que é algo que a Biosfera não deseja, achámos por bem abandonar os trabalhos, depois de 16 anos de trabalho ininterrupto, para ver se as autoridades fazem aquilo que lhes compete fazer.
DW África: Depois do vosso anúncio, foram contactados pelas autoridades?
TM: Diretamente, a Biosfera ainda não foi abordada pelas autoridades. Recebemos, sim, um telefonema da parte do gabinete da Presidência da República a dizer que irá fazer a pressão necessária junto do Executivo cabo-verdiano para tentar pôr fim a essa situação, mas por parte das autoridades competentes não recebemos nenhuma notificação. Vamos manter a nossa posição e, caso algo não mude, iremos suspender os trabalhos.
DW África: Têm esperanças de que serão criadas condições para que possam regressar aos trabalhos em segurança no ilhéu?
TM: Cabo Verde tem assinado muitos protocolos internacionais a referir a conservação do ambiente. Aliás, Cabo Verde está entre os países que ratificou o tratado para ter as áreas protegidas e uma maior quantidade delas até 2030. Portanto, por um lado, as autoridades cabo-verdianas mostram-se engajadas, pelo menos em fórum internacional, mas aqui dentro [do país] não vemos realmente essa mesma motivação e vontade política.
Esperemos que os financiadores que operam e contribuem financeiramente para a conservação dos oceanos em Cabo Verde se juntem a nós, e é isso que tem vindo a acontecer, porque realmente milhões já foram gastos para a conservação do meio ambiente em Cabo Verde e temos de ter, ao mesmo tempo, uma autoridade da parte do Governo que seja também engajada. Caso contrário, são milhões que estão a ser desperdiçados.
DW África: No vosso entender, o que poderia ser feito para pôr fim à caça furtiva no Ilhéu Raso e resolver a situação de insegurança?
TM: Tendo em conta que é uma reserva integral, essas pessoas não podem continuar a fazer essa prática nesse local. Sendo assim, as autoridades teriam de demovê-las de ali estar. Muitas vezes, as autoridades alegam falta de meios para fazer uma fiscalização apropriada nessa zona, que é deserta e afastada, mas a Biosfera já apresentou alternativas. Até já sugerimos que, como a nossa embarcação está todas as semanas nessa zona, concordaríamos em levar autoridades na nossa própria embarcação. Mas as autoridades não concordaram e preferiram não fazer nada. A Biosfera não pode continuar nesse nível de trabalho, a receber ameaças. Temos equipas de campo, jovens a trabalhar, e não queremos chegar a uma situação em que algo de mal aconteça a um membro da nossa equipa ou a um desses mergulhadores.
DW África: Com a suspensão dos projetos de conservação, temem o futuro da reserva natural, nomeadamente no que toca à preservação das cagarras?
TM: Exatamente. Durante 16 anos conseguimos trabalhar junto dos pescadores que, na altura, promoviam a caça junto desses animais. Neste momento, esses pescadores trabalham connosco na conservação, mas outros pescadores, menos sensibilizados, sabem o valor que a cagarra poderá ter no mercado. Sem a nossa presença ali, muito provavelmente, a caça à cagarra iria ter um novo início.
DW África: Nesse contexto, acredita que é preciso maior trabalho de informação e sensibilização para as questões ambientais junto da população cabo-verdiana?
TM: Não só a Biosfera como também várias organizações não-governamentais fazem disso o seu plano diário em Cabo Verde. Portanto, campanhas de sensibilização a vários níveis, desde as autoridades até às escolas, são feitas diariamente. E sim, temos de continuar. Aliás, a sensibilização ambiental é algo que nunca pode parar, porque as gerações vão mudando e deve ser, por isso, em contínuo. A Biosfera não vai parar e, com certeza, outras organizações nacionais também vão continuar a fazer o trabalho excelente que têm vindo a fazer.
DW África: Que outros projetos paralelos tem a Biosfera Cabo Verde?
TM: A Biosfera tem vários projetos, vários de desenvolvimento comunitário que estão a ser aplicados com bastante sucesso. Temos outros vários projetos em carteira. Infelizmente, custa-nos ver 16 anos de trabalho jogados no lixo se assim o for. Mas pensamos que não vale a pena colocar em risco vidas humanas.