Brasileiros divididos no mundial mais caro de sempre
13 de junho de 2014Grande parte da população brasileira está insatisfeita com a qualidade dos serviços públicos e com os altos gastos para a organização do mundial e, por isso, tem ofuscado a tradicional festa do povo, mergulhando o país em greves e protestos.
O Brasil tem mais de 29.000 clubes de futebol, quase dois milhões de jogadores e cerca de 5.000 jogos oficiais por ano. Outros países podem certamente ostentar números igualmente expressivos, mas nenhum foi cinco vezes campeão do mundo.
Futebol como desporto-rei
Na história do futebol brasileiro surgem nomes sonantes como Ronaldo, Ronaldinho, Rivaldo, Romário, Garrincha, Pelé e, claro, a sensação atual dos torcedores.
“Neymar, Neymar, Neymar, lógico... Eu sou fã do Neymar”, gritam várias crianças ao microfone da DW África.
O futebol, que na maior parte do mundo se trata de apenas um desporto, é no Brasil uma paixão, o desporto-rei, que merece esforço e comemoração.
“Em toda a Copa, faz-se a ‘vaquinha’, toda a gente arrecada dinheiro, compra tinta, faz a pintura, assiste o jogo na rua, faz apostas”, explica um adepto.
Mas na copa de 2014, em pleno território nacional, o Brasil está menos colorido. A empolgação dos torcedores ouvidos pela reportagem está longe de ser um consenso entre os brasileiros.
“Eu vou por uma fitinha verde, amarela e preta no meu carro, porque a copa no Brasil para mim é um disparate”, comenta uma brasileira.
“Certamente, muitos brasileiros entendiam ou imaginavam que esta era uma festa mais democrática do que de facto é. E de democrática, pelo menos em termos de acesso económico e de acesso a estádios, ela não tem nada", considera o cientista político brasileiro Humberto Dantas, que acrescenta: "É um evento tão aristocrático quanto é o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, os melhores blocos do Carnaval da Baía, eventos como a Fórmula Um e coisas desta natureza”.
Protestos saíram à rua
Rotulado como um povo pacato, alegre e sem interesse político, o brasileiro elevou o tom, em meados de 2013, foi para a rua e pediu mais qualidade nos serviços públicos.
“Foram milhares de pessoas, mais de cem mil pessoas nas ruas, uma manifestação gigantesca... Eu acho que foi mais uma demonstração clara de que esta é a vontade da população”, disse, na altura, um dos manifestantes.
No dia 20 de junho de 2013, a onda de manifestações no Brasil atingiu o seu auge com mais de um milhão de brasileiros nas ruas.
“Vamos questionar-nos se precisamos efetivamente de ter construído ou se precisávamos ter construído doze praças desportivas quando na imensa maioria dos casos a FIFA (Federação Internacional de Futebol) diz que nove já é um número alto. Então seguramente não precisávamos. E muito provavelmente não precisávamos de ter construído estádios em cidades em que o futebol nem é uma tradição, como por exemplo, Manaus ou Cuiabá”, crítica Humberto Dantas.
Na construção e reforma das doze arenas, entregues em alguns casos dias antes do início da prova desportiva, o Brasil gastou mais de três mil milhões e meio de dólares, 48% a mais do que o estimado no início das obras.
Apesar dos custos, autoridades como o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, garantem que o legado da copa do mundo é para manter.
“Tenho a segurança em dizer que a zona leste de São Paulo não será a mesma depois dos investimentos que estão a ser feitos. Absoluta segurança disso. Porque, para nós, a copa começa e termina agora, entre junho e julho de 2014. Para a zona leste, a Copa não termina. Depois da copa, vão acontecer os investimentos já previstos em equipamentos sociais. Centro cultural, escolas técnicas, museus”, assegura.
Promessas por cumprir
Apesar do discurso das autoridades brasileiras, um estudo recente sinaliza que apenas 45% das obras de infraestrutura prometidas pelo poder público ficaram prontas para o Campeonato Mundial de Futebol.
Das 30 intervenções previstas nos aeroportos, por exemplo, apenas 18 foram concluídas.
O símbolo das promessas não cumpridas é o comboio rápido, que ligaria duas das principais cidades brasileiras. Em 2010, o projeto foi garantido pela então ministra e hoje Presidente Dilma Rousseff.
“Um país deste porte, que será sem sombra de dúvida umas das economias mais desenvolvidas, não pode ter um comboio de alta velocidade? Como que não pode, se países menores e mais pobres que nós já têm este comboio. Podemos sim. Podemos e faremos”, prometeu na altura.
O comboio de alta velocidade acabou por não chegar e está longe de sair do papel. Esta semana, a greve de cinco dias dos operadores do metro de São Paulo, cidade que recebeu a abertura do mundial, retrata o clima do país.
Subida de preços
A insatisfação com os gastos na organização do evento, as greves, as manifestações e ainda a ameaça da subida nos preços fazem parte do quotidiano do cidadão brasileiro. Quem quiser viajar durante o período do mundial, mês tradicional de férias, terá de arcar com a já chamada inflação da copa.
A funcionária de um hotel de quatro estrelas, no centro de São Paulo, mostra-nos a exorbitância.
“Custa 300 reais um quarto solteiro e 400 o duplo, isso no período de 5 de junho até 18 de julho, antes disso, o valor era 190 reais”, indica. “Isso é por causa da Copa”, justifica.
A copa do mundo também influencia o preço da alimentação fora de casa. Segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IOIF), o crescimento do segmento da alimentação aumentou de 0,57 por cento em abril para 0,91 em maio.
“O comércio é livre, mas também corre o risco de não ter clientes. E outra coisa, o restaurante para ter credibilidade não pode estar a mexer no cardápio a toda a hora, por respeito ao cliente”, diz Joaquim Saraiva de Almeida, da Associação de Bares e Restaurantes.
No principal centro económico brasileiro, São Paulo, comer fora de casa ficou quase 10 por cento mais caro no ano do mundial de futebol. Mais um fator que reforça a resistência de 42% dos brasileiros que se dizem contra o mundial.