Burundi: O que é que Nkurunziza fez pelo seu povo?
13 de março de 2018Fora do Burundi, nem toda a gente conhecerá Pierre Claver Mbonimpa. Já no seu país de origem, e para quem está ligado à luta pelos direitos humanos, o nome Mbonimpa não é indiferente. Prova disso são os prémios e certificados espalhados pela sala da sua casa. Foram atribuídos por organizações de direitos humanos e governos internacionais, em reconhecimento do seu incansável trabalho em prol dos direitos humanos no Burundi.
A luta de Mbonimpa quase lhe custou a vida. Em agosto de 2015, um atirador numa mota disparou quatro vezes à queima-roupa contra o ativista. Foi atingido na cara e no pescoço, mas sobreviveu e foi evacuado para receber tratamento em Bruxelas.
Os assassinos não desistiram. Mataram o seu filho de 24 anos, Welly, bem como o genro, Pascal. Mbonimpa ainda recuperava no hospital, em Bruxelas, quando recebeu a notícia da morte do filho. "Sinto a falta do meu filho e do meu genro, mas também sinto falta das outras milhares de pessoas que foram assassinadas", disse Mbonimpa à DW. Não ter podido despedir-se do filho foi um golpe: "Liguei a alguns amigos e pedi-lhes que dessem um funeral digno ao meu filho. Era tudo o que podia fazer", lamenta.
O homem que tentara matar Mbonimpa era um amigo de longa data da família e trabalhava para os serviços secretos do país. Acabaria por ser assassinado mais tarde. Já os assassinos do filho estão vivos e suspeita-se que sejam próximos do Presidente Pierre Nkurunziza.
Presidente sedento de poder
Nkurunziza, que está no poder desde 2005, foi reeleito para um terceiro mandato em 2015, apesar de a Constituição definir um limite de dois. A relutância de Nkurunziza em sair do poder gerou mais violência no país. De acordo com o Tribunal Penal Internacional (TPI), entre Abril de 2015 e Maio de 2017, mais de 1.200 pessoas morreram e 400.000 fugiram para os países vizinhos.
Tal como Mbonimpa, o jornalista Antoine Kaburahe encontra-se também exilado para escapar ao mandado de captura que o Governo de Nkurunziza emitiu contra ele. É acusado de ter colaborado com generais do exército que, alegadamente, tentaram um golpe para retirar o chefe de Estado do poder.
O seu verdadeiro crime foi dizer a verdade sobre aqueles que estão no poder, afirma. "Não sou um criminoso. Sou apenas um jornalista. Não cometi nenhum crime contra o meu país", disse Kaburahe à DW. A sua organização noticiosa, Iwacu, opôs-se abertamente contra o terceiro mandato do Presidente: "Amo o meu país e tenho o direito de falar sobre o meu país. Tenho o direito de expressar o meu desagrado sobre a forma como o meu país é governado".
Kaburahe escreveu o livro "Still Standing", uma biografia sobre o ativista Mbonimpa. Na obra, o jornalista descreve Mbonimpa como um monumento vivo, uma memória para ser guardada e preservada. O livro fala de "coragem", conta. "Ser forte apesar dos problemas, apesar das mortes, apesar dos desgostos. Ele ultrapassou tudo e não guarda rancor", diz Kaburahe sobre Mbonimpa.
Uma nova Constituição num país em crise?
Três anos depois, Mbonimpa recuperou. Mas a situação no seu país piora política e economicamente. A vulnerabilidade do povo do Burundi "é perpetuada pela situação socioeconómica mas também pelo aumento dos desastres naturais", explica Garry Conille, representante do Programa de Desenvolvimento da ONU (UNDP) no Burundi. "Uma análise das necessidades humanitárias do país demonstra que 3.6 milhões de pessoas, um terço da população do Burundi, necessitará de assistência humanitária este ano. É um aumento de cerca de 20 por cento em relação ao ano anterior", acrescentou Conille.
São precisos cerca de 141 milhões de dólares (115 milhões de euros) para fazer face a estas necessidades, estima o UNDP. O Burundi é um dos países mais pobres do mundo e carece de estabilidade cambial, combustível e alimentos.
Milhares de pessoas já foram assassinadas e muitas mais estão exiladas. A União Africana (UA) continua a não dar uma resposta forte em relação à situação no Burundi. "A questão está nas mãos da Comunidade da África Oriental (CAO). Portanto, as coisas serão geridas nesse nível", disse o presidente da UA à DW.
A CAO é a organização de países composta pelo Ruanda, Uganda, Tanzania, Quénia, Sudão do Sul e o Burundi. Muitos dos ativistas dos direitos humanos temem que nenhum dos Estados-membros tenha coragem de enfrentar o Presidente Nkurunziza.
Enquanto a comunidade internacional pouco se pronuncia, Nkurunziza aproveitou a oportunidade. Foi proposta uma revisão da Constituição que, se aceite pelo eleitorado, manterá o Presidente no cargo até 2034. A população vota o referendo à alteração da Constituição em maio de 2018.
"O que é que Nkurunziza fez pelo seu povo? Apenas os matou. As pessoas têm medo e a população está a morrer de fome", disse Mbonimpa à DW. Como todos os partidos da oposição, o ativista opõe-se ao referendo. Para Mbonimpa, a emenda à Constituição anula o Acordo de Paz de Arusha do ano 2000, que levou ao fim a longa guerra civil que vitimou mais de 300.000 cidadãos do Burundi.