Cabo Delgado: "Ainda há avistamentos de insurgentes"
30 de junho de 2023Uma das organizações não governamentais mais emprenhadas no tema da reconstrução do tecido social em Cabo Delgado, Norte de Moçambique, é o Observatório do Meio Rural (OMR) de que faz parte o sociólogo moçambicano João Feijó.
Feijó organiza um webinar subordinado ao tema da recapacitação das estruturas locais naquela província, que terá lugar na próxima terça-feira (04.07) e que juntará vários agentes da sociedade civil moçambicana.
"A frequência de ataques é muito menor. A população timidamente vai regressando", admite João Feijó, com quem a DW falou a propósito da iniciativa da próxima semana e do seu trabalho no terreno.
DW: É agora o momento certo para reconstruir o tecido social na província? O problema da insegurança em Cabo Delgado está resolvido?
João Feijó (JF): Há vários níveis de segurança. À volta de Palma e de Mocímboa da Praia, há, de facto, um bom nível de segurança. No entanto, em torno destas zonas estabeleceu-se ali um anel de circulação de insurgentes, onde eles são vistos a deambular. A frequência de ataques é muito menor. A população timidamente vai regressando. Mas ainda há avistamentos de insurgentes e eles mudaram de táticas e não são tão agressivos com a população. A situação está a melhorar, mas não está ainda completamente resolvida.
DW: Isso dificulta a reconstrução do tecido social em Cabo Delgado...
JF: Dificulta a estabilização da região, o regresso das pessoas, o retorno de atividades económicas, a circulação dentro da província... Eles, ao cercarem ali a zona de Palma e de Mocímboa, operando na periferia, ainda que de baixa intensidade, não deixam de provocar ameaças e não deixam de obrigar a escoltas militares. De alguma forma, cortam a ligação entre o Sul e o Nordeste da província e isso tem um impacto na estabilização e no regresso das pessoas e no retorno de atividades económicas. Mesmo quem faz machamba, quem faz agricultura, geralmente faz perto das vias de acesso ou perto da sua aldeia. Não se aventuram para zonas distantes, precisamente com medo de ataques.
DW: Continua a haver muitos interesses económicos estrangeiros e nacionais em Cabo Delgado?
JF: Ao nível extrativo, há interesses nas pedras preciosas, nas areias pesadas, no grafite, no gás... Mas depois também há interesse em plantações de eucalipto em virtude dos créditos de carbono. Então há ali vários mercados interessantes e vários países europeus e não só europeus que competem entre si pela influência política na região, mas também pela estabilização do território em volta dos seus interesses energéticos.
DW: E o dinheiro que por várias vezes foi prometido da Europa, por exemplo, para a reconstrução de Cabo Delgado, já chegou?
JF: A União Europeia, de facto, teve um papel importante ao nível do financiamento do Programa Mundial de Alimentos para, no período auge do conflito, assistir humanitariamente em alimentação aquela população. Sem esse valor, teria sido muito difícil prestar a ajuda humanitária e depois estabilizar o conflito.
DW: E como avalia o papel da Agência de Desenvolvimento Integrado (ADI) de que tanto se falava no passado? Ainda existe?
JF: Ainda existe, sim. A ADI foi uma agência que foi criada na expectativa de atrair esses fundos externos. O Governo consciente de que aquela zona ali era uma zona estratégica criou esta agência e fê-lo na expectativa de que absorvesse o dinheiro. Infelizmente, não tem havido muita confiança por parte das organizações internacionais. Então é uma organização que ainda não desempenhou o papel que seria importante desempenhar.