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Cabo Delgado: "Falta comunicação sobre intervenção militar"

12 de julho de 2021

Analista deteta "falhas de comunicação" do Governo moçambicano na gestão das forças militares estrangeiras que vão intervir em Cabo Delgado. União Europeia, SADC e Ruanda destacam militares para combater terrorismo.

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BG I Alltag und Militarismus in Cabo Delgado
Foto: Roberto Paquete/DW

A União Europeia(UE) aprovou esta segunda-feira (12.07) uma missão de formação militar em Moçambique, que vai ajudar a treinar as Forças de Defesa e Segurança (FDS) para o combate ao terrorismo em Cabo Delgado.

Entretanto, desde a semana passada, o país começou a receber ajuda de militares do Ruanda e já espera a chegada de homens da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).

Mas não faltam críticas à forma como o Governo está a conduzir as diferentes intervenções. Em entrevista à DW, o especialista moçambicano em resolução de conflitos e políticas públicas Rufino Sitoe diz que já se verificam "falhas de comunicação" na gestão da ajuda militar e que Maputo deveria ter considerado os "pressupostos da democracia" ao admitir intervenções estrangeiras.

DW África: O Governo moçambicano pecou ao não informar previamente os órgãos de soberania, nomeadamente a Assembleia da República, e a população sobre a chegada de militares estrangeiros a Cabo Delgado?

RS: Obviamente que para admissão de militares poderia ter uma consulta um bocadinho mais alargada, que considerasse os pressupostos de democracia, porque é uma questão soberana. Eu, particularmente, não concordo que haja muitos atores a intervir ao mesmo tempo. A ausência de um processo de consulta pode não ter favorecido a decisão ou, pelos menos, o debate sobre as opções de intervenção militar em Cabo Delgado.

DW África: Faltou esclarecer melhor como vão decorrer as operações com os militares estrangeiros em Cabo Delgado?

RS: Há necessidade de debater-se melhor como se planeia esse tipo de cooperação. Parece que que não há muita informação, há sinais de que a coordenação desses esforços não estão a ser feitas de uma forma satisfatória e razão disso é o problema de comunicação que houve com a África do Sul por causa da chegada das forças do Ruanda ao mesmo tempo em que se está a coordenar os esforços por parte do SADC. Certamente há aqui um problema de comunicação. Em contexto de conflito a comunicação é chave para aumentar a efetividade dos esforços. Este é um problema que deve ser melhorado não só interna, como também com os parceiros que estão a ser convidados a intervir em Cabo Delgado. 

Rufino Sitoe | Author Buch Terrorism in Africa
Rufino Sitoe é especialista em resolução de conflitos e políticas públicasFoto: Privat

DW África: Esses atritos podem pôr em causa as operações?

RS: Sem dúvidas, nós esperamos que esteja tudo alinhado, que as forças tenham certeza de onde vão atuar, quem também vai atuar ao seu lado e como é que vão coordenar para se saber o espaço de intervenção de cada uma das forças. Enquanto não houver esta coordenação, estrategicamente já é um pressuposto de fracasso dos esforços de combate à violência em Cabo Delgado.

DW África: E vai ser difícil para o Governo gerenciar essa divesas intervenções militares em Cabo Delgado?

RS: Pelo que se está a perceber agora, há alguma dificuldade. Só na própria gestão de comunicação já é indício claro de dificuldades, antes mesmo da própria intervenção.

DW África: Já há diversas denúncias de abusos e violações por parte das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique. Na sua opinião, a presença de militares estrangeiros pode aumentar as violações dos direitos humanos?

RS: Há sempre uma tendência de haver abusos dos Direitos Humanos em zonas de conflito. Obviamente este é um receio que se levanta, como é que se pretende gerir depois a questão dos abusos, como se pretende gerir estas violações que possam ocorrer. Não estamos a dizer que uma situação de conflito é limpa, mas é preciso que haja um plano de gestão dos abusos que podem advir das intervenções destas forças.

DW África: Entretanto, a União Europeia aprovou esta segunda-feira (12.07) uma missão de formação dos militares moçambicanos, inclusive com treino específico sobre os direitos humanos na proteção de civis. No seu entender, essa ajuda chega tarde?

RS: A ajuda é sempre oportuna enquanto decorre o conflito. Esta formação poderia ter sido antes, porque notou-se que havia alguma deficiência em termos de formação física ao nível das forças que intervém em Cabo Delgado. Isto acabou por minar as relações e o nível de confiança que existiam entre os militares e as populações. E olhando para a intervenção de outras é necessário que as nossas forças armadas estejam preparadas, não só para implementar estas medidas cívicas, mas também para monitorar a situação de outras forças em termos de gestão de abusos.

DW África: Houve muita discussão no nível político e diplomático até ao anúncio repentino dessas operações. Que interesses estariam por detrás da intervenção militar do Ruanda e da SADC?

RS: SADC tem um pacto de defesa regional. Ao nível da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) é uma intervenção normal e é o que se espera de uma organização regional. Agora, do Ruanda é preciso perceber logo à partida que pode ter interesses por detrás. Mas há indícios de que o Ruanda tem boa experiência em matérias de gestão de conflitos e que, se calhar, esteja interessado em continuar a construir esta reputação. 

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Thiago Melo da Silva
Thiago Melo Jornalista da DW África em Bona