Governo da FRELIMO tem de levar reconciliação "mais a sério"
16 de abril de 2021O Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) tem de levar "muito mais a sério" as políticas de reconciliação para que o país possa, pela primeira vez, viver um período de estabilidade, defende o pesquisador moçambicano Victor Igreja em entrevista à DW África.
O especialista em paz, reconciliação e trauma acredita em conflitos cíclicos em Moçambique se medidas preventivas não forem tomadas. O trauma já domina os deslocados internos que, com limitações, vão recebendo apoio psicológico.
Victor Igreja alerta ainda que podem surgir outros grupos terroristas que tornarão o país ainda mais ingovernável.
DW África: No atual contexto de violência em Cabo Delgado já há espaço para terapias ou cuidados pós-trauma?
Victor Igreja (VI): Sim, nesse aspeto penso que sim, porque as populações que foram vítimas em vários distritos, como em Palma, muitas delas se refugiaram agora na cidade de Pemba e estão em vários campos de acolhimento. No contexto daqueles campos é possível se juntarem esforços para criar condições para que realmente não haja uma grande descontinuidade, sobretudo para as crianças que iam à escola em Palma e nos vários distritos que foram afetados, para que as crianças possam continuar a estudar e possam tentar, na medida do possível, encontrar um sentido de normalidade. Penso que pelo menos o enfoque nas crianças é extremamente importante. E em relação aos adultos é importante que se criem espaços para que as pessoas comecem realmente, se esse for o desejo delas, a poder falar sobre as experiências que viveram, que testemunharam quando foram vitimizadas por estes grupos de terroristas.
DW África: Para um Governo que se mostra incapaz de satisfazer as necessidades básicas destes deslocados, como por exemplo alimentação e saúde, que alternativas restariam para dar assistência neste campo do pós-trauma?
VI: Seria muito importante trabalhar com as organizações da sociedade civil. Em Moçambique há várias organizações que têm uma experiência acumulada no trabalho psicossocial, de apoio às populações. Existem organizações de direitos humanos que também poderiam prestar um grande apoio, recolhendo testemunhos sobre as experiências que as pessoas sofreram. Penso que existem lá certas capacidades, não são grandes, mas são capacidades pelas quais o Governo pode começar a trabalhar nesse sentido.
E depois é preciso fazer um apelo à comunidade internacional para que possa realmente prestar uma maior atenção e um maior apoio a essas populações que são vítimas da violência em Cabo Delgado. Mas para que isso aconteça, penso que o ponto de partida é que o Governo tem de definir exatamente qual é a sua posição porque me parece que esta tem sido, desde 2017, uma das fraquezas do Governo de Moçambique, que se revela na falta de capacidade em se definir em relação ao que está a acontecer em Cabo Delgado.
DW África: A violência em Cabo Delgado atinge extremos, com decapitações e outras barbaridades. Que experiências se podem usar da guerra dos 16 anos para se lidar com esses traumas?
VI: É uma boa pergunta. Penso que uma das maneiras mais eficazes de lidar com estes traumas é fazer uma análise muito profunda sobre a origem deste tipo de conflitos. Não só agora, no conflito em Cabo Delgado, mas também o conflito relacionado com a guerra civil. A questão fundamental continua a ser a marginalização das populações, a concentração da riqueza em Maputo, a corrupção sem medidas e que tem efeitos nefastos na distribuição da pouca riqueza que Moçambique tem para estas zonas do país. Isto com o tempo criou uma série de frustrações e desapontamentos que realmente contribuem para um escalar da violência com o tempo.
Então, se não se reformulam estes modelos de governação para um país tão grande como Moçambique, vai ser muito complicado. Este grupo de terroristas é o primeiro, talvez hão de vir outros grupos que realmente vão tornar o país realmente ingovernável. É importante que os governantes em Maputo, o partido FRELIMO que está no controlo do Governo há mais de 40 anos, tomem muito mais a sério as políticas de reconciliação para que realmente o país possa pela primeira vez viver um período de estabilidade.