Cabo Delgado: "Nenhuma guerra atrai investimento"
6 de março de 2024Cabo Delgado não regista progressos, apesar dos esforços anunciados pelo Governo moçambicano nesse sentido, principalmente no setor económico, avalia o bispo de Pemba. Porém, dom António Juliasse vê uma solidariedade muito grande para com as vítimas do terrorismo, vinda de todos os lugares de Moçambique e garante que, graças a isso, as mortes são reduzidas nos centros de acomodação de deslocados de guerra.
Face aos recentes pronunciamentos do ministro da Defesa, Cristóvão Chume, de que a província não vive um recrudescimento da violência, mas focos de violência, e que a situação está controlada, o bispo manifesta uma posição diferente. Juliasse afirma: "Não minimizo o sofrimento das pessoas". O líder católico falou à DW sobre a situação no norte de Moçambique.
DW África: Vê alguma melhoria em Cabo Delgado resultado de um esforço coletivo para proporcionar melhores condições a população?
António Juliasse (AJ): É muito difícil trazer respostas. Eu estou na diocese de Pemba desde 2021, eu cheguei e uma semana depois houve o grande ataque de Palma. E assisti a famílias na cidade de Pemba a tomarem decisões de tirar os seus filhos ou parte da família de Cabo Delgado. Quero dizer com isto que, quando há guerra, é muito difícil pensar no progresso. Não há nenhuma guerra que pode atrair o investimento, por muito que o Governo se esforce e diga que está a atrair investimentos em Cabo Delgado. Efetivamente, não há estes investimentos.
Temos algumas empresas que têm a sua segurança, mas são poucas e não vão absorver boa parte da juventude daqui e criar progresso. Progresso, na verdade, é quando se oferece mais condições para que essas pessoas tenham trabalho e a partir daí realizem coisas a favor das suas famílias e das suas comunidades.
DW África: Também minimiza a situação em Cabo Delgado, como o fez o ministro da Defesa ao afirmar que não há recrudescimento da insurgência, mas sim focos de ações, e que a situação está controlada?
AJ: Sou religioso. Para mim, a morte de uma pessoa já é muito. Não minimizo o sofrimento das pessoas. Temos aldeias inteiras a serem queimadas, desde janeiro que isso está a acontecer. Temos mais de 35 mil pessoas sem habitação, agora com o título de deslocados. 35 mil. Não vou minimizar uma coisa destas. 35 mil moçambicanos expostos ao sofrimento, isso significa o quê? Os números falam por si. Não sei o que recrudescimento significaria, toda a província de Cabo Delgado está a arder. Para mim, quando um número grande como este de pessoas está a ser exposto ao sofrimento, isso significa que estamos em guerra. Não quero contrapor, pode ser que a perspetiva do ministro seja uma perspetiva militar, mas a minha perspetiva é humanitária.
DW África: Sente que há solidariedade vinda de diferentes quadrantes do país?
AJ: Há muita gente necessitada, não é possível que seja uma organização só. Todas as organizações são importantes para receberem ajuda e poderem também ajudar, e tudo o que chega é sempre pouco. Penso que o que vem tem chegado aos destinatários - um pouquinho cedo, um pouquinho tarde, mas tem chegado. Vejo um grande esforço e é graças a isso que, nesses seis anos em que estamos aqui com crises e picos de violência e de necessidade de ajuda humanitária, este povo está bem e não tivemos muitas mortes por causa da fome e doenças nos campos [de reassentamento].