"Não há ataque calculado contra missões católicas"
19 de maio de 2020Em menos de dois meses, duas missões da Igreja Católica foram atacadas pelos insurgentes em Cabo Delgado, no norte de Moçambique. A primeira, no período da Páscoa (abril) e a segunda, na terça-feira passada (12.05): os atacantes destruíram a casa de uma missão de monges beneditinos.
Contudo, o bispo de Pemba não acredita em ataques calculados contra as missões católicas, pois outros alvos próximos são igualmente atacados, argumenta em entrevista à DW África.
Segundo Dom Luiz Fernando Lisboa, o ataque é mais uma prova do agravamento da insegurança na província de Cabo Delgado, onde operam as multinacionais do gás natural. Em dois anos e meio de violência, os insurgentes mataram pelo menos 550 pessoas. Dezenas de milhares de pessoas foram afetadas. O bispo de Pemba diz que a Igreja Católica está a ajudar os deslocados.
DW África: Como foi o ataque à vossa missão na última semana, em Cabo Delgado?
Dom Luís Fernando Lisboa (LFL): Entraram na casa da missão dos beneditinos - religiosos tanzanianos que trabalham na nossa diocese - no bairro Auasse, em Mocímboa da Praia. Vandalizaram a casa e levaram pertences dos monges, inclusive o carro. Também queimaram um hospital que estava a ser construído ali por eles.
DW África: Face ao intensificar dos ataques de insurgentes contra as missões católicas, acredita na possibilidade de a Igreja Católica encerrar as suas missões na província?
LFL: Eu não diria que há um ataque calculado contra as missões católicas. Eu penso que atacaram o bairro, não apenas a missão. Quando eles atacam, atacam sempre outras casas, comércio, etc. Não sei se sabiam que ali havia uma missão católica. Os monges conseguiram fugir, ficaram dois dias no mato. Nenhum deles ficou ferido. O pior é quando se tiram vidas. Neste dia, muitas pessoas morreram ou desapareceram. Isso deixa-nos sempre muito tristes. Os bens, prédios e carros, perdem-se. Mas o pior de tudo é a perda de vidas humanas.
DW África: Fala-se sobre a fome, as dificuldades, a pobreza que se está a tornar extrema e a situação humanitária que se está a deteriorar. Como é feita a assistência à população carenciada?
LFL: O Governo tem procurado, de alguma forma, fazer a sua parte. As Forças Armadas foram reforçadas recentemente. Mas os atacantes mudaram de tática - passaram a atacar as aldeias simultaneamente, como aconteceu há pouco tempo. E [a situação] acaba por ficar muito mais difícil. Agora, há uma forte crise humanitária: há fome, porque são mais de 200 mil deslocados. Só de Quissanga, um dos alvos dos ataques, vieram milhares de pessoas que estão aqui no distrito vizinho de Pemba, chamado Metuge. Estão aqui vários acampamentos de pessoas que vieram de Quissanga. Sem contar os deslocados que se espalharam pela província, em todos os distritos, e inclusive na capital, Pemba. Isso torna o atendimento muito difícil. Muitas pessoas saem de casa sem nada ou com poucos pertences. Chegam sem comida. E atender a todas essas pessoas, nesta situação, não é uma tarefa fácil. No entanto, há organizações internacionais, como a Cáritas, a ajudar. Temos um esquema de entrega de alimentação para essas pessoas.