Cabo Verde: Exemplo para outras democracias em África?
4 de fevereiro de 2016A democracia em Cabo Verde é regularmente elogiada a nível internacional. Recentemente, a Economist Intelligence Unit, a unidade de analistas da publicação britânica The Economist, publicou um relatório em que afirma que Cabo Verde pode e deve servir de exemplo a outros países africanos.
A um mês do início oficial da campanha eleitoral para as legislativas, afirma-se que Cabo Verde já provou na sua história que as eleições não são apenas "para inglês ver", mas sim uma verdadeira disputa. Em Cabo Verde, já houve alternância no poder, o que nem sempre acontece noutras democracias africanas.
A DW África falou com Júlio Lopes, especialista em ciências políticas, sobre o assunto.
DW África: O que distingue a democracia de Cabo Verde de outros países africanos?
Júlio Lopes (JL): De facto, Cabo Verde tem-se saído bem em vários rankings qualitativos, na comparação com o continente africano. Mas veja-se que esta é uma constelação similar a todas as regiões insulares - é o que se passa com as Maurícias, as Seychelles e outras ilhas do nosso continente. Em Cabo Verde, nunca acontecem mortes por causa de disputas partidárias - os níveis de violência por causa de questões políticas são baixíssimos. Não há nada em comparação com o que se passa no continente. É por esta razão que Cabo Verde está muito bem situado nos rankings de democracia, convivência social, estabilidade política.
DW África: Cabo Verde já está em pré-campanha eleitoral. Estamos a menos de um mês da campanha. E estas eleições em Cabo Verde são eleições "verdadeiras", porque há hipótese de alternância, ao contrário do que acontece noutros países africanos…
JL: É verdade que a essência da democracia não está no voto, mas na possibilidade real de haver alternância política. Sabemos que, em muitos países do continente, as pessoas votam, mas, depois, há outros fatores que intervêm e esse voto não representa a vontade do povo, não havendo transparência nas eleições. Não podemos comparar Cabo Verde com esse contexto regional, onde estamos inseridos geopoliticamente. Em Cabo Verde, também não estamos satisfeitos.
Uma análise tem de ser feita de dois pontos de vista - do ponto de vista absoluto e do ponto de vista comparativo. Se compararmos com a nossa região, estamos bem colocados. Mas, pessoalmente, não estou satisfeito. Eu quero mais. Quero que o nível de transparência numas eleições seja de 100 por cento. Ou seja, quero uma exigência a nível europeu. Quero que as eleições que ocorrem em Cabo Verde possam transmitir 100 por cento a vontade do povo de Cabo Verde. Não fico satisfeito por o nível ser mais baixo noutras paragens. Veja que, quando acontecem as eleições, ocorrem alguns fenómenos que não nos agradam. E estão a ocorrer agora em Cabo Verde: Há acusações de condicionamento de consciência, porque, quem tem o poder, normalmente tem a capacidade de usar esse poder para conseguir influenciar positivamente os eleitores.
DW África: O que prevê para a campanha eleitoral deste ano? Haverá igualdade de hipóteses entre os partidos concorrentes?
JL: Em Cabo Verde, não há igualdade de circunstâncias nas eleições - e esta afirmação nem é minha, é do presidente da UCID [União Cabo-verdiana Independente e Democrática], o terceiro partido no país, um partido pequeno, que se queixa que a falta de recursos financeiros pode afetar a tomada de posição das pessoas. Eu estou de acordo com ele. Acho que, quando as entidades ocupam o poder, há uma grande tendência para usarem esse poder em seu proveito. Usam os recursos financeiros e institucionais para poderem beneficiar o seu partido ou candidato. Nós ainda não estamos ao nível europeu nessas questões. Estamos ainda a um nível muito abaixo, talvez ao nível da América Latina.
DW África: Olhando para a situação noutro país africano, a Guiné-Bissau, o que correu mal? O que diferencia a Guiné-Bissau de Cabo Verde?
JL: A componente militar na Guiné-Bissau vai interferindo nas questões políticas, cíveis, e afeta a totalidade da política e das questões sociais no país. Em Cabo Verde, felizmente, as Forças Armadas tiveram um comportamento de total isenção. Não intervêm em questões políticas. E há outra questão - a própria estrutura da população de Cabo Verde. O povo cabo-verdiano é um povo único e unido. Aqui temos regiões, mas não temos tribos. Há todas essas questões de ordem demográfica, sociológica e também institucional - temos instituições em Cabo Verde que funcionam muito melhor do que na Guiné-Bissau. Não funcionam tão bem quanto em Portugal ou na Alemanha. Por conseguinte, acho que nem se pode comparar Cabo Verde com a Guiné-Bissau.
DW África: E Cabo Verde, na prática, seria um país predestinado a ajudar as instâncias guineenses?
JL: Cabo Verde e Guiné têm uma língua comum, o crioulo, que é falado nos dois países; têm proximidade geográfica e uma grande relação histórica, porque a luta de libertação de Cabo Verde e Guiné ocorreu na Guiné-Bissau, embora tenha havido resistência em Cabo Verde. Por conseguinte, são dois países irmãos e deviam ter um ambiente de cooperação - política, institucional e económica - que pudesse beneficiar ambos. Mas também há receios: Há dias, o nosso primeiro-ministro [José Maria Neves] fez um comentário sobre a Guiné-Bissau e, da parte da Guiné, as pessoas não ficaram satisfeitas. E esses receios podem impedir que Cabo Verde apoie a Guiné-Bissau, dentro das suas possibilidades e dos limites, pois são dois países independentes.