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CulturaCabo Verde

O funaná pode tornar-se Património Imaterial da Humanidade?

1 de agosto de 2022

Músicos e académicos acreditam que o funaná deve ser considerado Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO. E defendem que cabe ao Governo cabo-verdiano tomar a iniciativa.

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Foto: João Carlos/DW

António Virgolino dos Santos Moreno, também conhecido por Dju di Mana, acredita que o funaná tem potencial para se tornar Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO. 

"Acredito que vamos chegar lá. Tenho esperança", diz.

Dju di Mana é um dos intérpretes ferrenhos do frenético estilo musical e de dança nascido na ilha de Santiago, em Cabo Verde. Antigo elemento do grupo "Rabenta", fundado em 1997, tem dois discos gravados na Holanda.

"Vemos que, a partir dos anos 90, há uma aposta forte no funaná. Há várias pessoas interessadas na música, e também temos vários investigadores preocupados com este ritmo. Desde 1997 até agora houve uma grande evolução."

Leonel Almeida, outro músico cabo-verdiano e mentor do projeto "Re:Imaginar Monte Cara", também apoia a ideia. E lembra que o funaná foi um dos instrumentos de revolta contra o regime colonial português.

"O funaná é uma música mítica de Cabo Verde. Como a morna é reconhecida pela UNESCO como património mundial, o funaná também deveria ser."

Kap Verde Funaná
"O funaná é uma música mítica de Cabo Verde"Foto: João Carlos/DW

Música ligada à resistência

O académico português Rui Cidra interessou-se por este estilo musical e de dança ligado à escravatura, usando-o como objeto de estudo para a sua tese de doutoramento. Trata-se de uma prática cultural marginalizada durante  colonialismo português, mas também silenciada durante muito tempo através da escrita.

"Eu quis conhecer essa história. Quis saber porque é que houve essa marginalização social, porque é que as sociabilidades e os toques de gaita e ferro, no interior da ilha de Santiago, foram proscritos e proibidos, e porque é que os tocadores estavam sujeitos a perseguição", conta Rui Cidra. 

"Fiquei interessado pelo facto do funaná emergir de um grupo social em Cabo Verde que tem uma história muito particular ligada à escravatura, ao trabalho contratado, ao trabalho agrícola de acordo com regimes muito desiguais."

Com todos os ingredientes que reuniu durante a sua investigação, o investigador escreveu o livro "Funaná, Raça e Masculinidade: Uma Trajetória Colonial e Pós-colonial" (editora Outro Modo, 2021), apresentado na recente edição do Festival Músicas do Mundo de Sines, no litoral alentejano em Portugal.

Rui Cidra é contra a ideia de elevação do funaná a património mundial, dado que tem uma impressão negativa dos processos de "patrimonialização".

Kap Verde Funaná
Dju di Mana e convidados no Festival Músicas do Mundo de Sines, em PortugalFoto: João Carlos/DW

"Os processos de patrimonialização vêm introduzir sobretudo uma lógica de mercado, de relação com as indústrias do turismo, que alteram completamente a trajetória destes géneros, a sua vida social e o modo como são experimentados pelos músicos. O funaná é uma prática musical historicamente associada ao questionamento, à interrogação, à oposição às estruturas de poder dominantes, à resistência."

Candidatura

O antropólogo português Nuno Domingos, editor da obra de Rui Cidra, diz que o processo para a inscrição deste género musical a património imaterial da UNESCO deve ter início em Cabo Verde.

"Se as autoridades cabo-verdianas consideraram que isso é algo importante, terá que partir delas. Não vejo razão para isso não acontecer", afirma.

Leonel Almeida lançou um apelo ao Ministério da Cultura de Cabo Verde, que deve projetar para o mundo o que é o funaná. Almeida propõe que o músico Zéca Di Nha Reinalda seja distinguido como o rosto de uma eventual campanha pela projeção internacional do funaná.

"Ele até devia ser uma bandeira para o Governo pôr à frente. Era um escudo para mostrar o que é cantar o funaná, cantar com alma", diz Leonel Almeida.

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