"Nenhuma sociedade compactua com práticas criminosas"
12 de fevereiro de 2022Numa altura em que o julgamento dos membros do Movimento do Protetorado Português da Lunda Tchokwe (MPPLT) se aproxima da reta final, o Governador da província angolana da Lunda Norte, Ernesto Muangala, questionado sobre se receia um regresso à instabilidade em Cafunfo, realçou ainda que "cabe aos órgãos do Estado - neste caso, o tribunal - desempenhar o seu papel sem quais pressões".
"Os tribunais são órgãos independentes do poder político, e deve-se respeitar o princípio da separação e interdependência do poder, constitucionalmente consagrado. É de todo desapropriado e imprudente responder a perguntas cavilosas, cujas respostas podem redundar num pré-julgamento social, pelo que devemos deixar que os órgãos do Estado, desempenhem o seu papel sem quaisquer pressões", respondeu.
Julgamento de "Zecamutchima"
Desde 28 de janeiro, decorre no Dundo o julgamento de José Mateus "Zecamutchima", líder do MPPLT, e mais de uma dezena de arguidos, acusados dos crimes de rebelião, ultraje aos símbolos do Estado e associação de malfeitores, pelo seu envolvimento no protesto de 30 de janeiro de 2021, na vila mineira de Cafunfo.
Na altura, o protesto terminou em confrontos com a polícia e um número indeterminado de mortos (menos de dez, segundo as autoridades, mais de 20, segundo os partidos da oposição e organizações da sociedade civil, enquanto o jornalista Rafael Marques, que escreveu um livro sobre o caso, contabilizou 13).
Ernesto Muangala salientou que "nenhuma sociedade no mundo compactua com práticas criminosas" e "a população da província da Lunda-Norte não foge à regra e é contra qualquer tipo de prática desta natureza".
"Somos conhecidos como um povo acolhedor, alegre, orgulhoso da sua cultura e amamos a nossa terra e, de forma unânime, sempre iremos defendê-la de todos os que tentarem detratá-la e plantarem a discórdia no meio dos nossos povos", realçou, lembrando que "a Lunda Norte é una e indivisível".
Segundo a polícia, seis pessoas que integravam um grupo de 400 elementos ligados ao Movimento do Protetorado Lunda Tchokwe foram mortas na sequência de um alegado "ato de rebelião" quando tentavam invadir uma esquadra, em Cafunfo, na madrugada de 30 de janeiro.
"Rebelião armada"
O MPPLT rejeitou, na altura, o epíteto de "rebelião armada" e condenou "o ato bárbaro perpetrado por agentes das forças de defesa e segurança, contra populações indefesas" na manifestação que, segundo o movimento, procurava apenas exprimir a vontade dos participantes em ver "os problemas das suas comunidades resolvidos".
Num comunicado, o movimento disse ter recebido uma denúncia sobre "o plano das autoridades competentes de inviabilizar a manifestação" que incluiria "preparar catanas e machados, rasgar a bandeira da República e arranjar notas de Kwanza falsas, com camisolas do Movimento em posse da Polícia do Cuango, que havia extraído em 2015, para aqueles que forem detidos serem acusados como provas do crime na manifestação".
O Movimento Protetorado da Lunda Tchokwe luta pela autonomia da região das Lundas, no Leste-Norte de Angola, baseando-se num Acordo de Protetorado celebrado entre nativos Lunda-Tchokwe e Portugal nos anos 1885 e 1894, que daria ao território um estatuto internacionalmente reconhecido.
Portugal teria ignorado a condição do reino quando negociou a independência de Angola entre 1974/1975 apenas com os movimentos de libertação, segundo o movimento.
No seu livro, "Magia e Miséria: Revolta em Cafunfo", Rafael Marques defendeu que os movimentos independentistas não têm legitimidade, do ponto de vista histórico, e não trazem benefícios às populações locais.
Rafael Marques expôs ainda as responsabilidades estruturais do governo e do MPLA (partido do poder) na situação das Lundas (Norte e Sul), apontando a omissão da história, o desprezo e a desatenção que dedicam ao território e a falta de investimento material e humano na educação como fatores preponderantes.