1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Cahora Bassa, um elefante branco?

Marta Barroso1 de outubro de 2012

A barragem foi construída pelo governo colonial português no âmbito de um ambicioso projeto e serve em grande parte a África do Sul. Na guerra civil foi alvo de ataques. Hoje, pouco há em volta que possa abastecer.

https://p.dw.com/p/16DiI
Cahora Bassa, um elefante branco?
Cahora Bassa, um elefante branco?

Os tempos modernos quiseram chegar a Chitima, mas não conseguiram. A sede do distrito de Cahora Bassa fica no interior de Moçambique, na província central de Tete e não muito longe do vizinho Zimbabué. Em redor da vila há uma aldeia aqui e outra ali, quase nenhuma delas tem ligação à eletricidade. Os habitantes locais chegam a rir-se da ironia: é que a hidroelétrica da quinta maior barragem de África fica a cerca de 20 km das suas casas.

Mas em Chitima, os poucos clientes da energia de Cahora Bassa queixam-se de que não beneficiam de facto dela. Um deles é Rogério Carlos Simoco. Mandou instalar eletricidade em casa em 2005. Pensava que a luz elétrica lhe pouparia preocupações e o aproximaria do progresso de que todos falam. Só que o progresso varia de preço: apesar de não ter frigorífico em casa nem fogão nem ferro de passar roupa, chega a pagar mensalmente 1.800 meticais, quase 50 euros, pela energia. E, "outras vezes, não passa de 200 meticais", cerca de quatro euros.

Queixas das faturas da distribuidora nacional

Rogério Simoco queixa-se de que as faturas que recebe da distribuidora nacional de energia, a Electricidade de Moçambique (EDM), não podem estar corretas. Quando a empresa foi contactada pela DW África sobre a discrepância nas contas recebidas em Chitima, não se pronunciou. Simoco diz que ele e os vizinhos "têm apresentado queixa, mas a EDM não aceita as reclamações".

O moçambicano de 38 anos vive do que planta na sua horta, a machamba que tem perto de casa, e do que consegue vender de lá na vizinhança. O pouco que ganha não lhe dá para o luxo do progresso: a luz que usa serve apenas duas lâmpadas que lhe iluminam a casa quando anoitece. E, para isso, diz, pode mandar cortar a energia e voltar à velha lamparina de petróleo.

Cahora Bassa tem uma capacidade instalada de 2.075 megawatts, a maior parte da energia é exportada para os países da região: 70% para a África do Sul e 5% para o Zimbabué. Apenas um quarto da eletricidade aqui produzida entra na rede nacional.

"Não há rendimento que pague a energia"

"Cahora Bassa foi construída como uma tentativa desesperada do governo colonial português de estabelecer ligações políticas na região", comenta Carlos Nuno Castel-Branco, do Instituto de Estudos Sociais e Económicos, IESE, uma organização não governamental moçambicana.

Mas, continua o investigador, "Cahora Bassa foi construída como um elefante branco, um grande projeto no meio de nada" para a área onde está situada: é possível instalar eletricidade na aldeia ao lado de Cahora Bassa, mas ninguém a vai consumir, visto que "não há indústria, não há rendimento para pagar pela energia. Então, é irónico, mas reflete estas grandes disparidades de desenvolvimento que existem".

Falta desenvolvimento das aldeias e vilas em torno da barragem

Para Castel-Branco, em termos de estratégia económica, dever-se-iam estender as bases do desenvolvimento do país também às aldeias e vilas em torno da barragem e de outras grandes infraestruturas nacionais como os portos e as linhas férreas. Desse modo, "a vida económica destas localidades transformar-se-ia num elemento de estímulo para o investimento".

A barragem de Cahora Bassa começou a ser construída em 1969. Desde a independência de Moçambique, em 1975, a Hidroeléctrica de Cahora Bassa era detida em 18% pelo Estado moçambicano e em 82% pelo português. Até 2006, quando parte do capital português foi vendida ao Estado moçambicano. Dentro de dois anos, deverá ser feita a transferência dos últimos 7,5%.

Cahora Bassa sentiu a força da guerra civil

Durante a guerra civil, que terminou há 20 anos, a 4 de outubro de 1992, a barragem mal funcionou. O historiador moçambicano Egídio Vaz lembra as ações de sabotagem por parte da RENAMO, a Resistência Nacional Moçambicana, contra as linhas de transmissão de Cahora Bassa como "um dos golpes mais importantes que o governo sofreu, sentindo com ele a força da guerra de desestabilização".

Os primeiros ataques contra a linha de transmissão da barragem ocorreram no início da década de 1980. Na altura, os rebeldes exigiam uma taxa à Hidroeléctrica, em troca, deixariam de interromper a distribuição de eletricidade. Ao sabotar as linhas de Cahora Bassa e outras grandes infraestruturas do país, a RENAMO pretendia desestabilizar a economia e enfraquecer o governo da FRELIMO, a Frente de Libertação de Moçambique.

Cahora Bassa como símbolo do progresso

"Que Cahora Bassa seja símbolo do progresso", disse numa visita à barragem em 1986, em plena guerra civil, o então Presidente de Moçambique, Samora Machel.

Mas o progresso ficou por lá: Teresinha Peixana é uma das vizinhas de Rogério Carlos Simoco que não tem como sustentar a luz elétrica. Para cozinhar vai ao mato buscar lenha e quando o sol se põe fica às escuras, porque nem para petróleo o dinheiro lhe dá. Se pudesse, ela sim, teria eletricidade. "A energia", diz Teresinha Peixana, "é um progresso, ajuda ao desenvolvimento nas próprias comunidades: quando as crianças têm de fazer os trabalhos de casa ao escurecer, fica complicado sem energia".

Para a área do país onde está situada, Cahora Bassa é vista pelo economista Carlos Nuno Castel-Branco como elefante branco
Para a área do país onde está situada, Cahora Bassa é vista pelo economista Carlos Nuno Castel-Branco como elefante brancoFoto: DW/M. Barroso

Cahora Bassa, um elefante branco?

A albufeira de Cahora Bassa começou a encher em 1974
A albufeira de Cahora Bassa começou a encher em 1974Foto: DW/M. Barroso
O progresso varia de preço em Chitima. Rogério Simoco (dir.) é um dos habitantes que se queixam das faturas da Electricidade de Moçambique
O progresso varia de preço em Chitima. Rogério Simoco (dir.) é um dos habitantes que se queixam das faturas da Electricidade de MoçambiqueFoto: DW/M. Barroso
Saltar a secção Mais sobre este tema