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Cultura

Cartas da Prisão de Mandela publicadas em português

18 de julho de 2018

Livro reúne mais de 200 mensagens escritas por Madiba durante os 27 anos de prisão na África do Sul. Cartas revelam o pai, marido, e também advogado que se dirigia às autoridades sobre violaçõs de direitos humanos.

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Foto: DW/J. Carlos

Nelson Mandela escreveu centenas de cartas durante os 27 anos em que ficou preso em quatro estabelecimentos prisionais da África do Sul, desde 1962 até a sua libertação a 11 de fevereiro de 1990. Eram mensagens inflexíveis endereçadas às autoridades prisionais, a companheiros ativistas e a responsáveis governamentais e também à então mulher Winnie Mandela e aos seus cinco filhos.

As primeiras 255 cartas escritas por Mandela estão agora publicadas em livro a cargo da Porto Editora e acessíveis pela primeira vez em língua portuguesa. A obra "As Cartas da Prisão de Nelson Mandela" foi apresentada esta terça-feira (17.07) em Lisboa pelo embaixador Francisco Seixas da Costa e pelo jornalista António Mateus, que entrevistou o primeiro Presidente democraticamente eleito da África do Sul, galardoado em 1993 com o Prémio Nobel da Paz. O livro tem prefácio escrito pela neta Zamaswazi Dlamini-Mandela.

Antonio Mateus, Sao Jose Sousa und Seixas da Costa
Seixas da Costa, São José Sousa e António Mateus no lançamento da obra em LisboaFoto: DW/J. Carlos

Segundo o jornalista António Mateus, trata-se de uma obra memorável que nos ajuda a perceber o percurso interior daquele que viria a ser o primeiro Presidente da África do Sul, entre 1994 e 1999.

"Quando ele foi preso, era uma pessoa profundamente diferente daquela que nós conhecemos quando foi libertada. Através das cartas, nós vemos como ele se foi destacando não só em relação aos outros presos e à maneira como trabalhou sua própria personalidade, mas também em relação ao profundo amor que ele tinha pela família. Nós podemos ver o ser humano de uma maneira rara, porque Nelson Mandela era uma pessoa muito reservada sob o ponto de vista íntimo", afirma o jornalista.

Combate à censura

O jornalista português, autor de "Mandela - A Construção de Um Homem", publicado em 2010, diz que neste livro está patente o pai, o marido, e também o advogado que se dirigia às autoridades prisionais, tentando fazê-las perceber a urgência de se respeitar os direitos humanos.

A maior parte das cartas, recolhidas pela investigadora e escritora sul-africana Sahm Venter em colaboração com a família de Mandela, são inéditas e não-censuradas. "Aquelas a que nós tínhamos acesso até aqui eram cartas recortadas pela censura. Aqui não, a maior parte está íntegra. Reportam-se a documentos que Mandela escreveu quando já tinha a noção daquilo que era passável ou não pelos censuradores da prisão e, por isso mesmo, torna-se um património da Humanidade para entendermos como nós também podemos transformar-nos no mesmo sentido que ele fez", diz.

Cartas da Prisão de Mandela publicadas em português

No presídio de Robben Island, na Cidade do Cabo, todos os manuscritos que entravam e saíam, dirigidos ou escritos pelos presos políticos, eram revistos pela censura, que cortava com x-ato os excertos com mensagens políticas ou críticas em relação ao sistema então em vigor na África do Sul.

A carta que mais surpreendeu António Mateus foi dirigida a Winnie Mandela a 1 de julho de 1971. "É uma carta onde ele diz à Winnie que, em momento algum, mesmo quando nós estamos feridos por agressões psicológicas ou físicas de pessoas, quem é líder deve sempre manter uma integridade de valores. Não se deve atropelar a si mesmo, não deve baixar a fasquia daquilo que tem por pilar de existência humana em retaliação ao que os outros nos fazem", conta.

Legado para futuras gerações

António Mateus diz que esses exemplos de integridade defendidos pelo então ativista anti-apartheid, que foi líder do Congresso Nacional Africano (ANC), são um legado para as gerações futuras. Na opinião de António Mateus, os atuais líderes e dirigentes africanos têm muito mais responsabilidade na felicidade futura dos seus povos do que as autoridades coloniais. "É sabido que as autoridades coloniais estiveram em África para ganhar melhor património material para si próprios e para as suas culturas. Mas já não entendo que autoridades pós-coloniais subvertam os sonhos dos respetivos povos", afirma.

Briefe aus dem Gefängnis - Nelson Mandela
Livro desperta o interesse do público na capital portuguesaFoto: DW/J. Carlos

O jornalista recorda que "Nelson Mandela era sempre frontal" e "assumia os seus próprios erros". Diz, a propósito, que ficou bastante esperançado quando o Presidente de Angola, João Lourenço, discursou recentemente no Parlamento Europeu. "Foi a primeira vez que ouvi um líder africano tornar-se credível depois de Nelson Mandela, ao dizer que 'nós, os líderes africanos, somos os primeiros responsáveis pelo desvirtuar dos sonhos dos nossos povos', tal como são as autoridades coloniais, nem menos nem mais", refere. "Já passou tempo suficiente para deixarmos de atribuir culpas ao passado", acrescenta.

António Mateus afirma que não dá elogios grátis "nunca" a nenhum líder africano. Mas argumenta: "Não tenho problemas em o fazer aqui desta feita. Em nome da felicidade do povo angolano é muito importante assumir posições como essa."

Para assinalar o centenário de nascimento do primeiro Presidente da África do Sul do pós-apartheid, Portugal realiza vários eventos desde sábado passado. Além de um festival musical, em Matosinhos, entre 18 e 20 de julho, que presta tributo a Nelson Mandela, a Câmara Municipal de Lisboa decidiu atribuir o nome do líder sul-africano a uma rotunda numa parte nobre da cidade portuguesa.

"Madiba", como era chamado com carinho e respeito pelos sul-africanos, faleceu a 5 de dezembro de 2013, aos 95 anos, tendo as Nações Unidas decretado o 18 de julho, data do seu nascimento, como "Mandela Day".