Orientações de José Eduardo dos Santos lesaram a pátria?
18 de fevereiro de 2020O antigo chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos, confirmou numa carta, lida esta terça-feira (18.02) pela defesa no Tribunal Supremo, que orientou o antigo governador do Banco Nacional de Angola (BNA) a transferir 500 milhões de dólares para o estrangeiro.
O processo envolve o filho do ex-Presidente, José Filomeno dos Santos, e o antigo governador do banco central, Valter Filipe da Silva.
Segundo o documento, a transferência foi feita para corresponder a uma exigência de uma proposta apresentada em 2017 para a criação de um fundo estratégico de investimento para o país, que captaria 30 mil milhões de dólares para a promoção de projetos estruturantes. A proposta teria sido apresentada por uma empresa representada pelo arguido Jorge Gaudens Sebastião, mas que, na verdade, estaria ligada aos interesses de José Filomeno dos Santos, ex-Presidente do Fundo Soberano de Angola.
A defesa do ex-governador do banco central, encabeçada pelo advogado Sérgio Raimundo Dos Santos, garante que tudo foi feito no "interesse público".
Novo capítulo
A confissão abre um novo capítulo no processo, batizado como "500 milhões dólares". E, segundo o advogado Inglês Pinto, antigo bastonário da Ordem dos Advogados de Angola, será preciso agora "aferir se as orientações foram feitas com base no exercício das funções ou se configuram crimes de lesa pátria".
"Vamos dar um exemplo grosseiro e caricato: Se o Presidente decide eliminar fisicamente uma comunidade, não vamos dizer que isto é um ato de exercício das suas funções. Não é." Portanto, será preciso confirmar se os atos foram, ou não, compatíveis com a Lei e as atribuições conferidas para o exercício dos interesses nacionais, acrescenta Pinto em entrevista à DW África.
Dúvidas sobre autenticidade da carta
Mas a carta atribuída a José Eduardo dos Santos não convence os procuradores, que duvidaram da autenticidade do documento, o que levou os juízes a interromper o julgamento.
As dúvidas do Ministério Público prendem-se também com o facto de a assinatura não ter sido reconhecida pelo notário, nem o documento ter passado pelos serviços consulares de Angola em Espanha.
A defesa dos arguidos considera o posicionamento do Ministério Público como "uma manobra dilatória".
Para o analista Sérgio Calundungu, coordenador do Observatório Político e Social de Angola (OPSA), a resposta dada aos advogados de defesa revela uma falta de consideração pelas instituições por parte do ex-chefe de Estado, que, até aqui, não respondeu às diligências e ao questionário enviado pelo Tribunal Supremo.
"Não é muito correto da parte do ex-Presidente. Mesmo tendo prorrogativa, teria sido muito bom que respondesse ou colaborasse, para que se fizesse justiça", diz Calundungu.
Segundo o analista, caberá agora ao tribunal aferir sobre a natureza dos "interesses" que estariam a ser acautelados pelo antigo Presidente, uma vez que, segundo Sérgio Calundungu, há indícios fortes de que o processo seria uma "mega burla" - ainda assim, José Eduardo dos Santos teria ignorado os conselhos dos seus colaboradores, a ponto de afastar o ex-ministro das Finanças, Archer Mangueira, algo que ex-Presidente justifica ter sido o resultado de "insubordinação".