Caso Manuel Vicente será "teste" à Justiça angolana
11 de maio de 2018A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de enviar o processo de Manuel Vicente para Angola é "impecável do ponto de vista legal", avalia o jurista português Rui Verde, ouvido pela DW África.
"Podemos discordar dessa deferência, mas trata-se de uma tradição jurídica legal portuguesa", diz o autor de um novo livro sobre Angola e o Futuro a lançar brevemente.
A decisão foi tomada esta quinta-feira (10.05), depois da Justiça portuguesa ter acordado, há cerca de quatro meses, separar a matéria criminal respeitante ao ex-presidente da petrolífera angolana, Sonangol, acusado de crimes de corrupção e branqueamento de capitais.
No entanto, se do ponto de vista jurídico a decisão tem substância legal que não surpreende, é preciso pensar no alcance que ela vai ter: "Obviamente levanta problemas acerca da impunidade destas pessoas que eventualmente são acusadas de ter cometido crimes em Portugal e depois se furtam a ser julgadas no território nacional", afirma Rui Verde.
Sinal de pressão
Para o analista, a decisão é mais um sinal de que a Justiça portuguesa não é independente face a pressões externas.
"Neste momento, em que tantos processos importantes estão a ser julgados em Portugal, este ponto é fulcral. Quanto a Manuel Vicente, vamos ver agora o que acontece em Angola: se efetivamente a Lei da Amnistia lhe é aplicada ou se existe alguma interpretação jurídica que permite ultrapassar essa Lei da Amnistia e que ele seja julgado em Angola", comenta.
A DW África contactou o escritório do advogado de Manuel Vicente para obter um comentário à decisão, sem sucesso. Rui Patrício está indisponível pois está em julgamento, em defesa de Armindo Pires, um dos três arguidos ouvidos no âmbito da Operação Fizz. De acordo com a agência de notícias Lusa, os advogados do ex-presidente da Sonangol mostraram-se satisfeitos com o facto de o juiz desembargador Cláudio Ximenes dar razão ao recurso da defesa de Manuel Vicente.
Agora, caso está "nas mãos de Angola"
Em reação à notícia, o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, disse que tomou "muito boa nota" da decisão.
"Esta decisão, encerrando um 'irritante', permite que a relação entre Portugal e Angola passe para o nível mais alto possível do relacionamento", afirmou Santos Silva à Lusa.
O jurista Rui Verde também sustenta que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa "é um contributo para o desanuviamento do clima de tensão nas relações político-diplomáticas entre Portugal e Angola".
"Neste momento já não haverá razão nenhuma para o Presidente angolano, João Lourenço, manter a espécie de boicote diplomático que tinha em relação a Portugal", diz.
O ministro da Defesa de Portugal, José Azeredo Lopes, deverá visitar Angola na próxima semana.
Na opinião de Rui Verde, "o futuro de Manuel Vicente passa agora a estar nas próprias mãos de Angola".
O analista entende que a transferência do processo vai ser um teste à Justiça angolana e às declarações que o Presidente João Lourenço fez sobre o combate à corrupção: "Está nas mãos de Angola mostrar o nível, a competência, a imparcialidade e a neutralidade da sua Justiça", conclui.