CEDEAO pede restituição de Keita e envia delegação a Bamako
20 de agosto de 2020"Pedimos a restituição do Presidente Ibrahim Boubacar Keita como Presidente da República", disse o chefe de Estado do Níger, Mahamadou Issoufou, país que detém agora a presidência da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), no final de uma cimeira virtual esta quinta-feira (20.08).
Além disso, anunciou: "Decidimos enviar imediatamente uma delegação de alto nível para assegurar o regresso imediato da ordem constitucional".
Issoufou disse que por meio do diálogo, a CEDEAO "transmitiria aos líderes da junta militar que os tempos de tomada do poder pela força terminaram nesta região".
O Presidente nigeriano, Muhammadu Buhari, disse que a delegação seria conduzida pelo seu antecessor Goodluck Jonathan, que estava a fazer a mediação entre Keita e os seus opositores antes do golpe, e Jean-Claude Brou, presidente da comissão da CEDEAO.
Fontes diplomáticas haviam dito anteriormente que a delegação seria liderada por quatro chefes de estado.
No Mali, o movimento M5, da oposição, rejeita a posição da CEDEAO.
Sérias consequências para a região
O Presidente do Níger abriu a cimeira sobre o Mali considerando que a "situação é grave" naquele país, após o golpe de Estado levado a cabo pelos militares na terça-feira (18.06) que levou ao derrube do então Presidente e do Governo, e que esta terá consequências em termos de segurança para a região.
"Temos portanto perante nós uma situação grave cujas consequências em termos de segurança para a nossa região e para o Mali são óbvias. Esta situação é um desafio para nós e mostra-nos o caminho que falta percorrer para o estabelecimento de instituições democráticas fortes no nosso espaço", disse Mahamadou Issoufou, no discurso de abertura, citado pela agência de notícias France-Presse.
"Este é o lugar para recordar que, em 2012, outro golpe de Estado permitiu que organizações terroristas e criminosas ocupassem durante várias semanas dois terços do território do Mali", recordou o Presidente do Níger.
O chefe de Estado pediu aos seus pares que "examinassem as várias medidas" na "perspetiva de um rápido regresso à ordem constitucional".
Aboulaye Sounaye, pesquisador do Centro Leibniz de Estudos Modernos Orientais (ZMO), em Berlim também mostra-se céptico sobre se o golpe conduzirá a uma mudança realista: "Quando olho para trás, nos últimos vinte anos, e olho para o Níger e o Mali, é sempre a mesma coisa: os militares entram, tentam realmente organizar. Mas, no fim, dificilmente alteram as condições estruturais que conduziram à crise".
Sounaye acredita que, após o golpe no Mali, poderão existir imitadores na região. "Existem situações políticas semelhantes no Níger, Burkina Faso e também na Costa do Marfim. A única diferença é que as coisas têm vindo a deteriorar-se no Mali há muito tempo, em comparação com os outros países". Haverá certamente grupos ou indivíduos que se sentirão inspirados pelos eventos no Mali, acrescenta Sounaye. Uma coisa é clara: "Todos os três países partilham preocupações sobre abuso de poder, corrupção, milícias armadas. Talvez o Mali estivesse apenas um pouco à frente com uma sociedade civil capaz de mobilizar protestos e resistência".
Entretanto, há quem teça duras críticas à comunidade regional. "Intervém sempre muito tarde. Quando o regime falha, saqueia os cofres públicos e restringe as liberdades, a CEDEAO nada diz", queixa-se o político da oposição Mamane Sani Adamou, na capital do Níger, Niamey. "Mas assim que as pessoas tomam as ruas para derrubar o regime, a CEDEAO acorda e alerta para as regras da comunidade".
Presidente de transição a caminho
Entretanto, a junta no poder em Bamako anunciou que "seria nomeado um Presidente de transição", que seria retirado das fileiras civis ou militares.
Numa entrevista ao canal de televisão France 24, o porta-voz da junta militar, Ismael Wague, afirmou: "Vamos criar um conselho de transição, com um Presidente de transição que será militar ou civil. Estamos em contato com a sociedade civil, os partidos da oposição, a maioria, todos, para tentar pôr em prática a transição".
Também esta quinta-feira, Mamadou Camara, um antigo porta-voz presidencial e membro de Ibrahim Boubacar Keita, convocou apoio para exigir a sua liberdade imediatamente.
"Deixe-nos apelar a toda a nação para que se mobilize para um regresso ao Estado de direito", disse Camara.
Keita, anunciou a demissão na madrugada de quarta-feira (19.08), horas depois de ter sido afastado do poder num golpe liderado por militares, após meses de protestos e agitação social no país.
A ação dos militares já foi condenada pela Organização das Nações Unidas (ONU), União Africana, CEDEAO e União Europeia (UE).
Antigo primeiro-ministro (1994-2000), Ibrahim Boubacar Keita, 75 anos, foi eleito chefe de Estado em 2013, e renovou o mandato de cinco anos em 2018.